sábado, 6 de março de 2010

DE FIDEL CASTRO SOBRE LULA!!!

Fidel Castro

O último encontro com Lula
Tradução: ADITAL
O conheci em Manágua (Nicarágua), em julho de 1980, há 30 anos,
durante a comemoração do primeiro aniversário da Revolução Sandinista,
graças a meus contatos com os partidários da Teologia da Libertação,
que começaram no Chile, quando, em 1972, visitei o presidente Allende.
Por Frei Betto, eu sabia quem era Lula, um líder operário em quem os
cristãos de esquerda colocavam suas esperanças.
Tratava-se de um humilde operário da indústria metalúrgica que se
destacava por sua inteligência e prestígio entre os sindicatos, na
grande nação que emergia das trevas da ditadura militar imposta pelo
império ianque, na década de 60.
As relações do Brasil com Cuba tinham sido excelentes até que o poder
dominante no hemisfério fez com que elas sucumbissem. Passaram-se
décadas até que voltassem lentamente a ser o que são atualmente.
Cada país viveu sua história. Nossa pátria suportou inusitadas
pressões nas etapas incríveis vividas desde 1959, em sua luta diante
das agressões do império mais poderoso que já existiu na história.
Por isso, a reunião que acaba de acontecer em Cancun e a decisão de
criar uma Comunidade de Estados da América Latina e do Caribe é de
grande transcendência para nós. Nenhum outro fato institucional de
nosso hemisfério durante o último século reflete transcendência
similar.
O acordo é alcançado em meio a mais grave crise econômica que já
aconteceu no mundo globalizado, coincidindo com o maior perigo de
catástrofe ecológica de nossa espécie e também com o terremoto que
destruiu Porto Príncipe, capital do Haiti, o mais doloroso desastre
humano da história de nosso hemisfério, no país mais pobre do
continente e no primeiro onde a escravidão foi erradicada.
Quando escrevia essa reflexão, a seis semanas da morte de mais de
duzentas mil pessoas, de acordo com as cifras oficiais, chegaram
notícias dramáticas dos danos causados por outro sismo no Chile, que
ocasionou a morte de pessoas cujo número se aproxima a mil, segundo
cifras das autoridades, e enormes danos materiais. As imagens do
sofrimento de milhões de chilenos atingidos material ou emocionalmente
por esse duro golpe da natureza comoviam. Afortunadamente o Chile é um
país com mais experiência frente a esse tipo de fenômeno, muito mais
desenvolvido economicamente e com mais recursos. Se não pudesse contar
com infraestruturas e edificações mais sólidas, um incalculável número
de pessoas, talvez dezenas ou centenas de milhares de chilenos teriam
perecido. Fala-se de dois milhões de danificados e possíveis perdas
que oscilam entre 15 e 30 bilhões de dólares. Em sua tragédia, conta
também com a solidariedade e a simpatia dos povos, entre eles, o
nosso, cujo governo foi um dos primeiros a expressar ao Chile
sentimentos de solidariedade quando as comunicações ainda estavam
avariadas e apesar de que podemos fazer pouco diante do tipo de
cooperação que estão necessitando no momento
O país que hoje põe à prova a capacidade do mundo para enfrentar a
mudança climática e garantir a sobrevivência da espécie humana é, sem
dúvida, o Haiti, por constituir um símbolo da pobreza que hoje padecem
milhares de pessoas no mundo, incluída uma grande parte dos povos de
nosso continente.
O que aconteceu no Chile com o terremoto de incrível intensidade (8,8º
em escala Richter e a mais profundidade do que o que atingiu o Haiti),
me obriga a enfatizar a importância e o dever de estimular os passos
de unidade alcançados em Cancun; mesmo que não me iluda sobre o
difícil e complexa que será nossa luta de ideias frente ao esforço do
império e de seus aliados dentro e fora de nossos países para frustrar
a tarefa unitária e independentista de nossos povos.
Desejo deixar constância escrita da importância e do simbolismo que
para mim teve a visita e o último encontro com Lula, desde o ponto de
vista pessoal e revolucionário. Ele disse que, perto de finalizar seu
mandato, desejava visitar seu amigo Fidel; qualificativo honroso que
recebi de sua parte. Creio conhecê-lo bem. Conversamos várias vezes
fraternalmente dentro e fora de Cuba.
Uma vez tive a honra de visitá-lo em sua casa, situada em um modesto
bairro de São Paulo, onde residia com sua família. Para mim, foi um
encontro emotivo com ele, sua esposa e seus filhos. Não esquecerei
nunca a atmosfera familiar e saudável daquele lar e o sincero afeto
com que seus vizinhos falavam com ele, quando Lula já era um líder
operário e político de prestígio. Ninguém sabia naquele momento se
chegaria ou não à presidência do Brasil, pois os interesses e forças
que se opunham eram muito grandes; porém, me agradava falar com ele.
Lula não se importava muito com o cargo; o satisfazia o prazer de
lutar e o fazia com grande modéstia; a mesma que demonstrou quando,
tendo sido vencido por duas vezes por seus poderosos adversários,
somente aceitou a postulação do Partido dos Trabalhadores por uma vez
mais devido á forte pressão de seus amigos mais sinceros.
Não contarei quantas vezes nos falamos antes que chegasse à
presidência; uma delas, nos primeiros tempos, na década de 80, quando
lutávamos em Havana contra a dívida externa da América Latina, que,
naquele tempo ascendia a 300 bilhões de dólares e havia sido paga mais
de uma vez. Lula é um lutador nato.
Como disse, por duas vezes seus adversários, apoiados em enormes
recursos econômicos e midiáticos, o derrotaram nas urnas. Seus
colaboradores mais próximos e amigos sabiam, no entanto, que havia
chegado a hora daquele humilde operário ser candidato do Partido dos
Trabalhadores e das forças da esquerda.
Certamente, seus oponentes o subestimaram; pensaram que não poderia
contar com maioria alguma no órgão legislativo. Já não existia a URSS.
O que Lula poderia significar na presidência do Brasil, uma nação de
grandes riquezas; porém, de escasso desenvolvimento em mãos de uma
burguesia rica e influente?
No entanto, o neoliberalismo entrava em crise, a Revolução Bolivariana
havia triunfado na Venezuela; Menem estava em queda vertical; Pinochet
havia desaparecido de cena; e Cuba resistia. Porém, Lula é eleito
quando Bush triunfa fraudulentamente nos Estados Unidos, despojando da
vitória ao seu rival Al Gore.
Iniciava-se uma difícil etapa. Impulsionar a carreira armamentista e,
com ela, o papel do Complexo Militar Industrial, e reduzir os impostos
aos setores ricos, foram os primeiros passos do novo presidente dos
Estados Unidos.
Com o pretexto da luta contra o terrorismo, reiniciou as guerras de
conquista e institucionalizou o assassinato e as torturas como
instrumento de domínio imperialista. São impublicáveis os fatos
relacionados com as prisões secretas, que delatavam a cumplicidade dos
aliados dos Estados Unidos com essa política. Desse modo, acelerou-se
a pior crise econômica dentre as que, de maneira cíclica e crescente,
acompanham ao capitalismo desenvolvido; porém, desta vez, com os
privilégios de Bretton Woods e sem nenhum de seus compromissos.
O Brasil, por sua parte, nos últimos oito anos sob a direção de Lula,
vencia obstáculos, incrementava seu desenvolvimento tecnológico e
potencializava o peso da economia brasileira. A parte mais difícil foi
seu primeiro período; porém, teve êxito e ganhou experiência. Com seu
incansável batalhar, serenidade, sangue frio e crescente consagração à
tarefa em condições internacionais tão difíceis, o Brasil alcançou um
PIB que se aproxima aos dois bilhões de dólares. Os dados variam
segundo as fontes; porém, todas o situam entre as 10 maiores economias
do mundo. Apesar disso, com uma superfície de 8 milhões de quilômetros
quadrados, frente aos Estados Unidos que apenas possui algo mais de
território, o Brasil alcança somente cerca de 12% do PIB desse país
imperialista que saqueia o mundo e desloca suas forças armadas em mais
de mil bases militares em todo o planeta.
Tive o privilégio de assistir à sua posse, no final de 2002. Também
esteve Hugo Chávez, que acabava de enfrentar o golpe de Estado
traidor, de 11 de abril desse ano e, posteriormente, o golpe
petroleiro organizado por Washington. Bush era presidente. As relações
entre o Brasil, a República Bolivariana e Cuba sempre foram boas e de
respeito mútuo.
Eu tive um sério acidente em outubro de 2004, que limitou seriamente
minhas atividades durante meses e fiquei gravemente enfermo no final
de julho de 2006, em virtude do qual não vacilei em delegar minhas
funções à frente do Partido e do Estado, na proclamação de 31 de julho
desse ano, em caráter provisório, porém, em seguida, em caráter
definitivo, quando compreendi que não estaria em condições de
assumi-las novamente.
Quando à gravidade de minha saúde me permitiu estudar e meditar, me
consagrei a isso e a revisar materiais de nossa Revolução e, de vez em
quando, a publicar algumas Reflexões.
Depois que fiquei enfermo, tive o privilégio de ser visitado por Lula
por quantas vezes veio à nossa pátria e de conversar amplamente com
ele. Não direi que sempre coincidi com toda sua política. Por
princípio, sou oposto à produção de biocombustível a partir de
produtos que possam ser utilizados como alimentos, consciente de que a
fome é e poderá ser cada vez mais uma grande tragédia para a
humanidade.
No entanto, o expresso com toda franqueza, não é um problema criado
pelo Brasil e muito menos pelo Lula. Faz parte inseparável da economia
mundial imposta pelo imperialismo e por seus aliados ricos que,
subsidiando suas produções agrícolas, protegem seus mercados internos
e competem no mercado mundial com as exportações alimentares dos
países do Terceiro Mundo, obrigados a importar em troca dos artigos
industriais produzidos com as matérias primas e os recursos
energéticos deles mesmos que herdaram a pobreza de séculos de
colonialismo. Compreendo perfeitamente que o Brasil não tinha
alternativa frente à competição desleal e os subsídios dos Estados
Unidos e da Europa do que incrementar a produção do etanol.
A taxa de mortalidade infantil no Brasil, todavia é de 23,3 por cada
mil nascidos vivos e a mortalidade materna de 110 por cada 100 mil
partos, enquanto que nos países industrializados e ricos é menos de 5
e 15, respectivamente. Poderíamos citar outros dados similares.
O açúcar de beterraba, subsidiado pela Europa, arrebatou nosso país do
mercado açucareiro, derivado da cana de açúcar, trabalho agrícola e
industrial precário e eventual que mantinha aos trabalhadores
açucareiros no desemprego por grande parte do tempo. Os Estados
Unidos, por seu lado, se apoderou de nossas melhores terras e suas
empresas eram donas da indústria. Um dia, abruptamente, nos despojaram
da quota açucareira e bloquearam nosso país para esmagar a Revolução e
a independência de Cuba.
Hoje, o Brasil desenvolveu o cultivo da cana de açúcar, da soja e do
milho com máquinas de alto rendimento que podem ser empregadas nesses
cultivos com altíssima produtividade. Um dia, quando observei a
filmagem de uma extensão de 40 mil hectares de terra em Ciego de Ávila
dedicada ao cultivo da soja em rotação com milho, onde tentavam
trabalhar durante todo o ano, exclamei: é o ideal de uma empresa
agrícola socialista, altamente mecanizada com elevada produtividade
por home/por hectare.
Os problemas da agricultura e suas instalações no Caribe são os
furacões que, em número crescente, arrasam seu território.
Também nosso país elaborou e assinou com o Brasil o financiamento e
construção de um moderníssimo porto em Mariel, que será de enorme
importância para nossa economia.
Na Venezuela, estão utilizando a tecnologia agrícola e industrial
brasileira para produzir açúcar e utilizar o bagaço como fonte de
energia termoelétrica. São equipamentos de tecnologia avançada que
trabalham também em uma empresa socialista. Na República Bolivariana
utilizam o etanol para melhorar o efeito ambientalmente nocivo da
gasolina.
O capitalismo desenvolveu as sociedades de consumo e também o
desperdício de combustível que engendrou o risco de uma dramática
mudança climática. A natureza tardou 400 milhões de anos em criar o
que nossa espécie está consumindo em apenas dois séculos. A ciência
não resolveu o problema da energia que substituirá a que hoje é gerada
pelo petróleo; ninguém sabe quanto tempo requererá e quanto custaria
resolvê-lo a tempo. Disporá dele? Isso foi discutido em Copenhague, e
a Cúpula foi um fracasso total.
Lula me contou que quando o etanol custa 70% do valor da gasolina, já
não é negócio produzi-lo. Expressou que o Brasil, ao dispor do maior
bosque do planeta, reduzirá progressivamente o desflorestamento em 80%
Hoje, possui a maior tecnologia do mundo para perfurar o mar e pode
extrair combustível situado a uma profundidade de sete mil metros de
água e fundo marinho. Há 30 anos isso soaria a ficção científica.
Explicou os programas educacionais de alto nível que o Brasil se
propõe a levar adiante. Valoriza o papel da China na esfera mundial.
Declarou com orgulho que o intercâmbio comercial com esse país se
eleva a 40 bilhões de dólares.
Uma coisa é indiscutível: o operário metalúrgico converteu-se
atualmente em um estadista destacado e prestigiado, cuja voz é
escutada com respeito em todas as reuniões internacionais.
Está orgulhoso por ter recebido a honra dos Jogos Olímpicos a ser
realizados no Brasil em 2016, em virtude do excelente programa
apresentado na Dinamarca. Também será sede do Mundial de Futebol, em
2014. Tudo isso foi fruto dos projetos apresentados pelo Brasil, que
superaram os de seus competidores.
Uma grande prova de seu desprendimento foi a renúncia à reeleição, e
confia que o Partido dos Trabalhadores continuará governando o Brasil.
Alguns invejosos de seu prestígio e de sua glória, e, pior ainda, os
que estão a serviço do império, o criticaram por visitar Cuba.
Utilizaram para isso calúnias vitais que há meio século são usadas
contra Cuba.
Lula sabe que há muitos anos em nosso país jamais ninguém foi
torturado; jamais se ordenou o assassinato de um adversário; jamais se
mentiu para o povo. Tem a segurança de que a verdade é companheira
inseparável de seus amigos cubanos.
De Cuba partiu rumo a nosso vizinho Haiti. A ele informamos nossas
ideias sobre o que propomos com relação a um programa sustentável,
eficiente, especialmente importante e muito econômico para o Haiti.
Ele sabe que mais de cem mil haitianos foram atendidos por nossos
médicos e pelos graduados na Escola Latinoamericana de medicina de
Cuba após o terremoto. Falamos de coisas sérias; conheço seus ardentes
desejos de ajudar a esse nobre e sofrido povo.
Guardarei uma inabalável recordação de meu último encontro com o
Presidente do Brasil e não vacilo em proclamá-lo.
1º de Março de 2010

Nenhum comentário: