sábado, 27 de março de 2010

QUE SAUDADE DA PROFESSORINHA QUE ME ENSINOU O BEA! BA!!!

(As fotos são da manifestação desta sexta-feira, onde professores foram brutalmente agredidos pela polícia de Serra. A primeira foto mostra um professor carregando um policial ferido; captada por Clayton de Souza, da Agência Estado, esta foto já se tornou sucesso absoluto na blogosfera; Leandro Fortes escreveu um belíssimo texto sobre ela em seu blog.)

Tem esse trecho, logo no início do conto. "Não sei explanar melhor sobre isto porque aconteceu um fato que é mais voraz do que as palavras em pássaros. Um fato que exaure todas as possibilidades. Pois é um fato cruento". João Gilberto Noll, quando escreveu Cego e a Dançarina, jamais poderia imaginar que alguém usaria seu conto para tentar compreender a brutalidade social em São Paulo. Mas as palavras, como ele mesmo diria, são pássaros enlouquecidos voando sob um sol anêmico. Quem é vivo, afinal, são os pássaros. Não o sol. São os homens, não é a cidade. Os homens, os cidadãos. Os professores. Muito fala-se em educação. Todos estão sempre falando em educação. Os editoriais batem na mesma tecla. Educação. O governo fala sempre que investe mais e mais em educação. No entanto, quem fala nos professores? Quem é que experimenta a rotina diária de inocular na cabeça de crianças ignorantes e adolescentes rebeldes cinco mil anos de cultura ocidental?

O governo de São Paulo, em vez de aumentar o salário de seus 200 mil professores, decide criar uma prova e impor condições mediante as quais uns ganharão bônus, outros não. Em vez de estimular o trabalho coletivo, a solidariedade entre os professores, a política educacional de Serra produz divisão. Quem avaliará o carinho e a bondade de uma professora que há vinte anos cuida de suas crianças como se fossem seus filhos? Ganhará menos que um professor recém-ingresso porque este respondeu melhor a uma prova arbitrária estabelecida pela secretaria de educação? Quem medirá o ensino da bondade, da coragem, da honestidade, da justiça, do amor? Em sua cegueira neoliberal, e distraído pelos latidos furiosos da mídia, o candidato à presidência da República, José Serra, não consegue ver a história dançando à sua frente.

Casualmente eu estive, semana passada, na manifestação dos professores paulistas, diante do MASP. Impressionou- me muito. Centenas de plaquinhas com nomes de cidades do estado. Campinhas presente, Jundiaí presente, Marília presente, Ribeirão Preto, presente. Eles vieram de toda a parte, com pouco dinheiro no bolso mas grandes esperanças na cabeça. A maioria mulheres, jovens ou senhoras. Cheias de energia, empunhando plaquinhas e faixas de protesto.

Era um protesto tão autêntico, tão sincero, que na verdade não correspondia apenas à questão salarial dos professores paulistas. "Não queremos bônus, queremos salário", gritavam os manifestantes. Mas o espírito que animava aquela manifestação era muito mais antigo. Lembrei-me, emocionado (e desculpe o diletantismo pedante), das terríveis lutas sociais da Roma antiga, que eu havia lido há pouco em Tito Lívio. A plebe e seus líderes contra os patrícios.

Tudo aquilo se repetia ali, na minha frente. Pouco mais adiante, já um pouco afastado do burburinho, eu cruzei com uma senhora que falava sozinha:

- Bando de vagabundos! Ordinários!

Olhei espantado. Ela vestia-se impecavelmente. Tinha um penteado que devia ter-lhe custado duzentos e quarenta reais, e entrou numa agência do Bradesco da Avenida Paulista. Não pude evitar um sorriso triste diante daquele simbolismo tão cru, tão brutal. Ela xinga os professores e entra no Bradesco. Meu espanto adveio do ódio profundo que emanava de sua voz, de seu olhar. Senti ali uma faísca da guerra interclassista. No ódio da madame pude ouvir os discursos de Appius Claudius contra a plebe.

Há poucas semanas eu estava no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, lendo exatamente.. . Títio Lívio. As partes mais interessantes do primeiro volume são as lutas sociais doméstica de Roma. Plebeus versus patrícios. Ambos tem vitórias e derrotas. É interessante, porém, observar que, apesar das sucessivas vitórias patrícias, os plebeus sempre ganham no final. As leis romanas, em seu ir e vir reacionário ou revolucionário, acaba sempre por dar ganho de causa aos plebeus. Porque eles formam a grande maioria. E porque eles são combativos. Nunca desistem de seus sonhos. São guerreiros. São corajosos. São romanos. A grandeza romana, portanto, está ligada visceralmente às vitórias de suas classes trabalhadoras. A ascensão de Júlio César é seu triunfo final, pois César era ligado aos "populares", o partido da esquerda romana.

Esse triunfo, infelizmente, corresponderá ao fim da democracia romana. Não fora César, é bom enfatizar, o carrasco maior da república. São as classes conservadoras, com seu egoísmo inquebrantável, sempre querendo amealhar todas as terras e sempre especulando com o preço dos alimentos, que levam o império a quase se desfazer em pedaços.

*

Esqueçamos Roma, todavia. Temos aqui um material profundamente vivo, terrivelmente vivo, para analisar. Nesta sexta-feira 26 de março, dezenas de milhares de professores protestaram mais uma vez contra o governador José Serra.

Eu acompanho a luta dos professores de São Paulo desde o início. Desde que a secretaria de educação decidiu reformar a política de remuneração e carreira dos professores sem o mínimo respeito aos anseios e propostas dos próprios professores. As associações e sindicatos da categoria foram, desde sempre, ignorados, tratados como inimigos, desprezados. E com apoio da mídia, sempre. A mídia paulista nunca se posicionou ao lado dos professores.

Voltei a pensar em Tito Livio, então. A educação é também uma espécie de guerra. Contra a ignorância. Os professores são os soldados. Lembrei que, na Roma Antiga, quando os soldados, por razões politicas, estavam insatisfeitos com seus generais, eles perdiam deliberadamente as batalhas. Foi assim, inclusive, que os plebeus imporam tantas vitórias aos patrícios. Eles ameaçavam entregar Roma a seus inimigos se os patricios não lhes fizessem justiça. Preferiam ser dominados por outros povos a ser escravizados por seus próprios conterrâneos. Por outro lado, não se pode acusar os soldados e plebeus romanos de antipatriotismo. Ao fim, eles sempre acabavam lutando por seu país, e sempre demonstraram infinita paciência e moderação em suas demandas.

Entretanto, como o senhor Paulo Renato, secretário de educação de São Paulo, pretende dar combate à ignorância no estado, se não respeita os soldados desta guerra? Como ele pretende entusiasmar os professores do estado dando-lhes vale-refeição de quatro reais? Desmerecendo seus sindicatos? Mandando espancar os professores?

O secretário de educação deveria ser aliado dos professores. Deveria proteger-lhes. Assim como o governador. José Serra, porém, não dialoga. Mais de quarenta mil professores protestam diante do palácio Bandeirantes, e o governador simplesmente desaparece. Pior, deixa que a polícia reprima o protesto.

O mais grave de tudo, porém, é a ofensa moral. Quando o governador e seus aliados na mídia tentam descaracterizar a luta sindical como mero instrumento de campanha eleitoral e partidária, dizendo coisas do tipo: "essa greve é política; é coisa do PT; é trololó petista; etc", quando age assim, Serra denigre gravemente a própria democracia, e a própria política.

Greves ou manifestações, mesmo quando procuram se ater exclusivamente a reivindicações salariais, sempre serão políticas. Esse aspecto político, longe de ser um "defeito", como Serra sugere, é o aspecto mais nobre de uma greve. Os trabalhadores não querem apenas salários. Exigem o direito de participarem das discussões políticas que moldarão o seu futuro.

A chave do sucesso de Lula, e Serra e seu secretários deveriam ter aprendido isso, é que ele nunca inventou nenhuma reforma mirabolante. Lula sempre discutiu as reformas com as próprias categorias que seriam afetadas. Vamos melhorar o ensino? Chamem os professores, chamem seus sindicatos, e vamos discutir, juntos, o que é melhor para a categoria. Serra não fez isso. Pretendeu impor, autocraticamente, ditatorialmente, reformas de cima para baixo, ignorando, desprezando, humilhando, os anseios e os sonhos de centenas de milhares de professores.

Falta bom senso aos tucanos. Como eles pretendem melhorar a educação do estado desta maneira, punindo os professores? Dando bônus em vez de salário? Como eles pretendem incutir o entusiasmo necessário? O combustível do reacionarismo, na maioria das vezes, é a estupidez e a falta da capacidade de se pôr no lugar do trabalhador. Não é preciso grande capacidade intelectual para imaginar que os professores precisam de condições psicológicas adequadas. O professor tem de estar tranquilo e satisfeito para poder ser um bom profissional. Mesmo se recebesse o triplo do que recebe hoje, mesmo se as condições de infraestrutura das escolas fossem maravilhosas, mesmo assim seria uma profissão difícil, porque não é mole enfrentar sozinho a teimosia e ignorância de dezenas de pestinhas. Entretanto, Serra pretende que os professores enfrentem tudo isso sem salário, sem condições estruturais, e ainda por cima sendo humilhados com mudanças autocráticas, de cuja formulação não participaram, e com as quais não concordam.

*

Não digo que o governo deva ficar refém dos sindicatos. Mas que mantenha uma discussão aberta, transparente. Se Paulo Renato decidira fazer uma reforma que contava com oposição dura da Associação dos Professores do Estado de São Paulo (Apoesp), deveria, no mínimo, ter feito um debate público, para que as opiniões pudessem ser confrontadas democraticamente e acompanhadas pela sociedade. Esse tipo de decisão de gabinete, fechada, formulada misteriosamente, pode servir para aumentar juros ou mexer no câmbio, mas não se pode agir assim em situações que afetarão profundamente a vida de 200 mil profissionais de ensino e milhões de crianças.

A história ensina que arrogância patrícia, quando tem o poder político e econômico, consegue esmagar facilmente as manifestações de insatisfação da plebe. Mas essa facilidade é sempre aparente e provisória. Porque a plebe, a cada derrota, ressurge mais forte. Mais violenta. Mais dura. O que os patrícios não conseguem compreender é que, à diferença deles, a plebe luta por sua própria vida. Quando se sabe que o vale-refeição do professor paulista é de 4 reais, está claro que sua luta (e isso, mais que tudo, é uma luta política!) é também por sobrevivência. E a luta pela sobrevivência é do tipo da qual não se pode nunca desistir, porque é uma luta de vida e morte.

Os tucanos deveriam aprender que a política de educação não deve se medir apenas por pontinhos a mais ou a menos na prova da Saresp. Observando aqueles milhares de professores se manifestando em frente ao MASP, eu vi que o professor luta pelo direito de ser feliz. Constatei ainda que o PSDB, ao acusar a Apoesp de fazer política partidária pró-PT, apenas humilha os professores, que sabem, no estômago, que não lutam pelo PT, e sim porque a merda de seu vale-refeição não paga nem um lanche, quanto mais um almoço! Com seu discurso preconceituoso (porque discrimina o sindicato e o professor por ter um partido político), o PSDB apenas empurra o professorado para a esquerda, produzindo mais um núcleo duro antitucano no estado.

A experiência da luta sindical, por parte dos professores, por outro lado, está produzindo novas lideranças. Esta é a beleza e a profundidade de tudo isso, porque não falo somente de lideranças políticas, sindicais e partidárias. Falo de liderança, ponto. Voltarão para suas escolas com o espírito mais amadurecido, e quando explicarem aos alunos a história da humanidade, terão, em sua mente, em seu coração, um grande arsenal de exemplos de solidariedade, coragem, astúcia, dor e medo, que somente a luta, a terrível luta da vida, pode nos ensinar.


http://oleododiabo. blogspot. com/2010/ 03/o-cego- e-dancarina- em-sao-paulo. html

Cuba: Dissidentes ou Traidores???

Escrito por Atilio A. Boron

A "imprensa livre" da Europa e das Américas – essa que mentiu descaradamente ao dizer que existiam armas de destruição em massa no Iraque ou que qualificou de "interinato" o regime golpista de Micheletti em Honduras – redobrou sua feroz campanha contra Cuba. Impõe-se, portanto, distinguir entre a razão de fundo e o pretexto. A primeira, e que estabelece o marco global dessa campanha, é a contra-ofensiva imperial desencadeada desde fins da administração Bush, cujo exemplo mais eloqüente foi a reativação e mobilização da IV Frota Naval.

Contra os prognósticos de alguns iludidos, essa política ditada pelo complexo militar-industrial não só continuou, como se aprofundou, por conta do recente tratado firmado por Obama e Uribe, mediante o qual se concede aos EUA o uso de pelo menos sete bases militares em território colombiano, imunidade diplomática para o pessoal estadunidense envolvido em suas operações, licença para introduzir ou tirar do país qualquer tipo de carregamento sem que as autoridades do país anfitrião possam sequer tomar nota do que entra ou sai e ainda o direito dos viajantes norte-americanos de entrar ou sair da Colômbia com qualquer documento que comprove sua identidade.

Como se o anterior fosse pouco, a política de Washington, reconhecendo a "legalidade e legitimidade" do golpe de Estado em Honduras e as fraudulentas eleições subseqüentes, é uma mostra a mais da perversa continuidade que liga as políticas implementadas pela Casa Branca, com independência da cor da pele de seu principal ocupante. E nessa contra-ofensiva geral do império, o ataque e a desestabilização de Cuba desempenham papéis de grande importância.

Essas são as razões de fundo. Mas o pretexto para esse relançamento foi o fatal desenlace da greve de fome de Orlando Zapata Tamayo, potencializado agora pela idêntica ação iniciada por outro "dissidente", Guillermo Fariñas Hernández, e que será seguida, sem dúvidas, pelas de outros partícipes e cúmplices dessa agressão. Como é bem sabido, Zapata Tamayo foi (e continua sendo) apresentando pelos "meios de desinformação de massas" - como adequadamente qualificara Noam Chomsky – como "um dissidente político", quando na realidade era um preso comum que foi recrutado pelos inimigos da revolução e utilizado inescrupulosamente como mero instrumento de seus projetos subversivos. O caso de Fariñas não é igual, mas ainda assim guarda semelhanças e aprofunda uma discussão que é imprescindível conduzir com toda a seriedade.

É preciso lembrar que tais ataques têm larga história. Começam no próprio triunfo da revolução, mas, como política oficial e formal do governo dos EUA, se iniciam em 17 de março de 1960, quando o Conselho de Segurança Nacional aprovou o "Programa de Ação Encoberta" contra Cuba proposto pelo então diretor da CIA, Allen Dulles. Parcialmente desqualificado em 1991, esse programa identificava quatro cursos principais de ação, sendo os dois primeiros "a criação da oposição" e o lançamento de uma "poderosa ofensiva de propaganda" para fortalecê-la e torná-la crível. Mais claro impossível.

Após o estrondoso fracasso desses planos, George W. Bush cria, dentro do próprio Departamento de Estado, uma comissão especial para promover o "cambio de regimen" em Cuba, eufemismo utilizado para evitar dizer "promover a contra-revolução". Cuba tem o duvidoso privilégio de ser o único país do mundo para o qual o Departamento de Estado elaborou um projeto de tal tipo, ratificando desse modo a vigência da doentia obsessão ianque em anexar a ilha e, por outro lado, o quão acertado estava Jose Marti quando alertou nossos povos sobre os perigos do expansionismo estadunidense.

O primeiro informe dessa comissão, publicado em 2004, tinha 458 páginas e ali se explicitava com grande minúcia tudo o que se deveria fazer para introduzir a democracia liberal, respeitar os direitos humanos e estabelecer uma economia de mercado em Cuba. Para viabilizar esse plano, forneciam 59 milhões de dólares por ano (fora o que se destinava por vias obscuras), dos quais 36 milhões estariam destinados, segundo a proposta, a fomentar e financiar as atividades de dissidentes. Para resumir, o que a imprensa apresenta como uma nobre e patriótica dissidência interna pareceria mais a metódica aplicação do projeto imperial desenhado para cumprir o velho sonho da direita norte-americana de dominar Cuba definitivamente.

Esclarecimento conceitual
Dito o anterior, impõe-se uma precisão conceitual. Não é casual que a imprensa do sistema fale com extraordinária ligeireza sobre os "dissidentes políticos" encarcerados em Cuba. Mas, são "dissidentes políticos" ou são outra coisa? Seria difícil dizer todos, mas, com toda segurança, a maioria dos que estão na prisão não se encontra ali por dissidência política, mas sim por uma caracterização muito mais grave: "traidores da pátria". Vejamos em detalhes.

No célebre Dicionário de Política de Norberto Bobbio, o cientista político Leonardo Morlino define o dissenso como "qualquer forma de desacordo sem organização estável e, portanto, não institucionalizada, que não pretende substituir o governo em suas funções por um novo, muito menos derrubar o sistema político vigente. O dissenso se expressa só no exortar, persuadir, criticar, pressionar, sempre por meios não violentos a fim de induzir os ‘tomadores de decisões’ a preferirem certas opções em lugar de outras ou a modificar decisões anteriores ou direcionamentos políticos. O dissenso nunca põe em discussão a legitimidade ou as regras fundamentais que fundam a comunidade política, mas apenas normas ou decisões bastante específicas" (p. 567-568).

Mais adiante assinala que existe um limiar que, uma vez ultrapassado, transforma o dissenso, e os dissidentes, em outra coisa. "O limiar é cruzado quando se colocam em dúvida a legitimidade do sistema e suas regras de jogo, fazendo-se uso da violência; ou quando se incorre em desobediência intencional a uma norma; ou, por fim, quando o desacordo se institucionaliza na oposição, que pode ter entre seus objetivos também o de derrubar o sistema" (p. 569).

Na extinta União Soviética, dois dos mais notáveis dissidentes políticos, cujo agir se ajusta à definição supracitada, foram o físico Andrei Sakharov e o escritor Alexander Isayevich Solzhenitsyn; Rudolf Bahro foi o mesmo na República Democrática Alemã; Karel Kosik, na antiga Tchecoslováquia; nos EUA destacou-se, avaliando o século passado, Martin Luther King; e em Israel de nossos dias, Mordekai Wanunu, cientista nuclear que revelou a existência do arsenal atômico deste país, o que o fez ser condenado a 18 anos de prisão sem que a "imprensa livre" tomasse nota do assunto.

A dissidência cubana, diferentemente do ocorrido com Sakharov, Solzhenitsyn, Bahro, Kosik, King e Wanunu, se enquadra em outra figura jurídica, pois seu propósito é subverter a ordem constitucional e derrubar o sistema. Além do mais, e esse é o dado essencial, pretende fazê-lo colocando-se a serviço de uma potência inimiga, os Estados Unidos, que há 50 anos agridem Cuba por todos os meios imagináveis com um bloqueio integral (econômico, financeiro, tecnológico, comercial e informático), com permanentes ataques de diversos tipos e com uma legislação migratória exclusivamente desenvolvida para a ilha (a Lei de Ajuste Cubano) e que estimula a migração ilegal para os EUA, colocando em risco a vida de quem quer acorrer para seus braços em busca de benefícios.

Enquanto Washington levanta um novo muro da vergonha em sua fronteira com o México para deter a entrada de imigrantes tanto astecas como da América Central, concede todos os benefícios imagináveis a quem, vindo de Cuba, ponha o pé em seu território.

Quem recebe dinheiro, assessoria, conselhos, orientações de um país objetivamente inimigo de sua pátria, e atua em congruência com sua aspiração de precipitar uma "cambio de regimen" que ponha fim à revolução, pode ser considerado "dissidentes políticos"?

O que eles fariam?
Para responder, esqueçamos por um momento das leis cubanas e vejamos o que estabelece a legislação em outros países. A constituição dos EUA fixa em seu artigo 3 que o "o delito de traição contra os Estados Unidos consistirá apenas na tomada de armas contra a nação ou em se unir aos inimigos, dando-lhes ajuda e facilidades"; a sanção que merece tal delito fica a cargo do Congresso. Em 1953, Julius e Ethel Rosenberg foram executados na cadeira elétrica acusados de traição à pátria por terem supostamente se "unido aos inimigos", revelando segredos da fabricação da bomba atômica para a União Soviética.

No caso do Chile, o Código Penal deste país estabelece em seu artigo 106 que "todo aquele que dentro do território da República conspirar contra sua segurança exterior para induzir uma potência estrangeira a guerrear contra o Chile será castigado com penas maiores, em seu grau máximo de prisão perpétua. Se são seguidas de hostilidades bélicas a pena poderá ser elevada até a própria morte".

No México, país vítima de uma larga história de intervencionismo norte-americano em seus assuntos internos, o Código Penal qualifica em seu artigo 123 como delitos de traição à pátria uma ampla gama de situações, como "realizar atos contra a independência, soberania ou integridade da nação mexicana com a finalidade de submetê-la a pessoa, grupo ou governo estrangeiro; tomar parte em atos de hostilidade contra a nação, mediante ações bárbaras que possam prejudicar o México; receber qualquer benefício, ou aceitar promessa de recebê-lo; aceitar do invasor um emprego, cargo ou comissão e ditar, acordar ou votar providências encaminhadas a afirmar o governo intruso e debilitar o nacional". A penalidade prevista pela comissão desses delitos é, segundo as circunstâncias, de cinco a quarenta anos de prisão.

A legislação argentina estabelece no artigo 214 de seu Código Penal que "será reprimido com reclusão ou prisão de dez a vinte e cinco anos, ou reclusão ou prisão perpétua, e tanto em um caso como em outro, inabilitação absoluta perpétua, sempre que o fato não se encontre compreendido em outra disposição deste código, todo argentino, ou pessoa que deva obediência à nação por razão de seu emprego ou função pública, que pegue em armas contra esta, se una a seus inimigos ou lhes preste qualquer ajuda ou socorro".

Não é necessário prosseguir com essa simples revisão da legislação comparada para compreender que o que "imprensa livre" denomina dissidência é o que em qualquer país do mundo – começando pelos EUA, o grande promotor, organizador e financista da campanha anticubana – seria caracterizado pura e simplesmente como traição à pátria, e nenhum dos acusados jamais seria considerado "dissidente político".

No caso dos cubanos, à grande maioria dos chamados dissidentes (se não todos) está imputado este delito, ao se unirem à potência estrangeira que está em aberta hostilidade contra a nação cubana e receberem seus representantes (diplomáticos ou não), dinheiro e toda sorte de apoios logísticos para, como diz a legislação mexicana, "afirmar o governo intruso e debilitar o nacional". Dito em outras palavras, para destruir a nova ordem social, econômica e política criada pela revolução.

Não seria outra a caracterização que adotaria Washington para julgar um grupo de seus cidadãos que estivesse recebendo recursos de uma potência estrangeira que durante meio século tivesse acossado os EUA com o mandato de subverter a ordem constitucional.

Nenhum dos genuínos dissidentes acima mencionados incorreu em seus países em tamanha infâmia. Foram implacáveis críticos de seus governos, mas jamais se puseram a serviço de um Estado estrangeiro que ambicionava oprimir sua pátria. Eram dissidentes, não traidores.

Atilio A. Boron é diretor do PLED, Programa Latinoamericano de Educación a Distancia em Ciências Sociais, Buenos Aires, Argentina.
Website: http://www.atilioboron.com/.
Traduzido por Gabriel Brito, jornalista, Correio da Cidadania.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Quem é afinal, José Serra?

Quem é afinal, José Serra?

Parricídio tucano ou afasia suicida de José Serra

Por Gilberto Felisberto Vasconcellos

O que significa, do ponto de vista político e psicológico, o personagem José Serra no cenário da direita no Brasil e na América Latina?

Foi líder estudantil da UNE, o que não quer dizer talento retórico nem capacidade intelectual; todavia se no passado porventura possuía algum charme persuasivo, atualmente não lhe sobrou nada, e isso está relacionado com a sua progressiva direitização depois do Chile, ou talvez até antes.
Serra em Santiago foi uma espécie de garçom ou mordomo de FHC, a quem deverá o futuro ingresso nas altas rodas banqueiras em São Paulo, tendo apoio da missa católica de Franco Montoro para fazer-se deputado.

Do Chile, José Serra vem carimbado de “marxista”, fazendo marola que estava na trincheira do marxismo, quando na verdade sua quitanda era a Cepal burguesa e desenvolvimentista, sob a direção de Raul Prebish, economista ponta de lança do imperialismo inglês na Argentina, odiado por peronistas, nacionalistas e trotskistas.

Não há contribuição alguma de José Serra à teoria econômica na América Latina. Isso foi dito em 1978 por Ruy Mauro Marini, artigo publicado na Revista de Sociologia Mexicana. José Serra, sem o menor escrúpulo intelectual, censurou o artigo de Ruy Mauro Marini no Cebrap. Neste artigo, aparecia como ele é hoje: um homem que se ufana da burguesia industrial e financeira paulista, um tecnocrata operador do capital monopolista internacional.

Ruy Mauro Marini antecipou o balé financeiro multinacional de José Serra, origem pobre, mas fascinado pelo Banco e pelo poder do dinheiro fazer dinheiro, que não tem nada a ver com o capital produtivo. O PSDB é a expressão de classe da universalização do capital monopolista, isto é, do imperialismo.

Funeral de Allende
A saga mal contada do Chile. Não se conhece nenhum protesto tucano contra a derrubada do presidente Salvador Allende. E esse silêncio, ou essa atitude impassível em relação ao socialismo chileno golpeado pela CIA, é revelador do tipo de “democracia” a que está afeiçoado o PSDB.

José Serra no Chile esteve mais próximo do ‘catolicão’ Eduardo Frei do que do comunista Salvador Allende, ao contrário do que sucedeu com Ruy Mauro Marini, Andre Gunder Frank e Darcy Ribeiro.

Eduardo Frei não só conspirou no golpe de Estado de 1973, como celebrou o regime de Pinochet, o qual contou com o Banco Mundial assessorado por Milton Friedman e os economistas Chicago Boys, que foram admirados e aplaudidos por Roberto Campos, o economista que se esforçou para privatizar a Petrobras e a Vale do Rio Doce.

O modelo econômico de Pinochet foi inspirado na ditadura brasileira de 1964 com os planos de “austeridade” ditados pelo FMI e Banco Mundial, privatizadores com corte de gastos estatais.

O que existe em comum entre Milton Friedman, FHC e José Serra? Estes no poder venderam as empresas estatais para o capital privado e, principalmente, para o capital estrangeiro.

Essa política neoliberal de desnacionalização, que direcionou tanto o regime fascista de Pinochet quanto a social democracia de FHC e Serra, baseia-se em três pilares: exportação, austeridade e superexploração do trabalho.

A Cepal de Raul Prebisch foi a antesala dos Chicago Boys de Milton Friedman, os quais ocuparam altos cargos executivos no regime fascista de Pinochet. A política econômica do general chileno foi de caráter neoliberal e privatizante tanto quanto a da “era vendida” de FHC e Serra. Isso significa que, para além da superficial análise políticóloga baseada na noção de “autoritarismo”, a repressão policial durante a “era vendida” não se fez necessária no Brasil para garantir o domínio neoliberal da burguesia financeiro-monopolista e sua acumulação de capital.

O genocídio econômico neoliberal no Chile estava, segundo Pinochet, justificado por uma “democracia autoritária”.

Panteão caipira
Se a ditadura de 64 seguiu o receituário tecnocrático de Roberto Campos, o repercurtor colonizado de Milton Friedman, o guru gringo de Pinochet, então a política privatizante do general chileno foi, por sua vez, radicalizada pelo príncipe da sociologia no Brasil, que recebeu o justo epíteto de “o rei das privatizações”, disputando esse qualificativo na América Latina com Menem na Argentina e Fujimori no Peru. É por causa desse condicionante econômico do capital monopolista que FHC e Serra nunca derramaram lágrima alguma para Salvador Allende assassinado pelos Chicago Boys, os quais iriam inspirar mais tarde a decisão tucana de privatizar a Vale do Rio Doce e vender as ações da Petrobrás.

FHC e Serra no poder iriam repetir e copiar Albert Hirschman, outro economista anti-marxista que não difere substancialmente de Walt Rostow bancado pela CIA, o assessor de Kennedy e Johnson que mandou jogar bomba nas cabeças dos vietnamitas.

A fúria neoliberal privatizante dos tucanos não foi de inspiração autóctone, ou o resultado de seu convívio com Ulisses Guimarães e Franco Montono, o panteão caipira do largo São Francisco, incluindo o cowboy Orestes Quércia.

Como tudo o que acontece com eles, a diretriz é traçada invariavelmente do exterior e dos centros imperialistas. A compreensão dessa política entreguista do PSDB está em Andre Gunder Frank, sociólogo nascido em Berlim (1929) que deu aula na Universidade de Brasília convidado por Darcy Ribeiro, e que continua até hoje sendo o demônio das ciências sociais.

Gunder Frank, o autor de O Desenvolvimento do Subdesenvolvimento morreu em 2005, deixou uma notável obra teórica e histórica, que é o desmascaramento do neoliberalismo com a ideologia da globalização do capital monopolista.

O detalhe é que além de ter vivido no Chile na época de Salvador Allende, o marxista Gunder Frank, foi aluno de Milton Friedman na Universidade de Chicago na década de 50 e percebeu o caráter reacionário de seu mestre, rompeu com ele e com a Universidade de Chicago, e mais tarde no Chile, denunciou o crime contra o povo latinoamericano perpetuado por aquele figurão que ganhou o prêmio Nobel de economia, por ser o paradigma monetarista do vínculo entre a universidade e o banco, como é também o caso, repetido na periferia, do percurso de FHC e Serra, os quais concentraram o poder econômico e venderam o país, seguindo a terapia do “tratamento de choque”, a expressão de autoria de Milton Friedman, cuja política, como dizia Gunder Frank, aumentou o monopolismo capitalista no mundo, desde quando assessorou Barry Goldwater e orientou as medidas econômicas de Nixon.

Para América Latina exportou a bula, repercutida décadas depois pelos tucanos, sobre a “estabilização da economia”, que não é diferente do modelo de Roberto Campos.

Mercado livre e pau-de-arara
É preciso desconfiar da auto-propagada vocação dos tucanos à democracia. Roberto Campos também se dizia fã da democracia quando serviu à ditadura. Milton Friedman escreveu o livro Capitalismo e Liberdade e contribuiu para o assassinato de 30 mil pessoas no Chile, apelando para os princípios do “mercado livre” e do neoliberalismo. Por isso é preciso perguntar o seguinte: até onde vai o amor de José Serra pela democracia? O fascismo político de Pinochet se valeu do neoliberalismo na economia, o qual será retomado por FHC com eleições, seguindo o que receitava o guru Milton Friedman: o lucro é a essência da democracia. FHC sempre disputou as eleições por cima e em situação favorável, a moeda “real” foi a cédula eleitoral no bolso, dizia Leonel Brizola. Depois se reelegeu na maré das reeleições, o que não acontecerá com José Serra, que é uma espécie de primo pobre da tucanalha, desprovido das fortunas maquiavélicas que foram oferecidas para FHC na Casa Grande.

A dialética Casa Grande e Senzala funciona como um sintoma psicológico de um partido político repleto de egos vaidosos e sem carisma. FHC colocou a graça de seu carisma no dinheiro, na moeda, ficando conhecido como o “príncipe da moeda”.

Herança Vende-Pátria
Hoje, em situação mundial desfavorável provocada pela crise financeira do imperialismo (FHC esteve oito anos agenciando a globalização do capital estrangeiro), o PSDB com José Serra – representando os interesses da burguesia financeira e industrial de São Paulo – se prepara para voltar ao Palácio da Alvorada.

Há porém um problema neste teatro subshakesperiano. É que depois do estrago entreguista de FHC, os tucanos não têm discurso a apresentar, digamos, nenhuma esperança em cima da telenovela, da moeda e da estabilização da economia.
Ainda que não reconheça publicamente, José Serra gostaria de descartar-se da herança de seu progenitor, porque essa herança é um estorvo fatal para ele, impedido de falar que vai retomá-la e tirar-lhe a parte ruim.

Afinal, que “Brasil venceu” com oito anos de FHC? José Serra vive essa contradição em sua trajetória política, pois não poderá negar a paternidade que o gerou, embora esse DNA seja um obstáculo para palmilhar o caminho da Presidência da República.

É difícil para José Serra refutar que a era FHC, com a sua política de privatização internacional e agente da universalização do capital privado, foi um retrocesso nacional, que não fez senão prosperar os bancos e as corporações multinacionais.

Durante a “era vendida” de FHC, o PSDB foi o instrumento político do capital globalizado, que levou adiante as medidas entreguistas de 64, valendo-se do argumento da eficácia, da racionalidade e da competência na administração da vassalagem entreguista.

Baile de Manhattan
Analisado de olho na América Latina, o governo neoliberal de FHC –que José Serra estará compelido a defender agora com todos os constrangimentos – tomou como paradigma e aprofundou o que foi feito na economia pelos Chicago Boys no Chile do general Pinochet.

O neoliberalismo econômico de FHC, Menem e Fujimori começou com as ditaduras da década de 60. A retirada de todas as restrições ao capital estrangeiro, a liberalização dos mercados, a desregulação das empresas privadas, as prescrições sobre os “ajustes estruturais” fizeram parte do pacote macroeconômico chamado “estabilização” aplicado em escala mundial a mando do FMI e do Banco Mundial. Essa foi, na era privatizadora de FHC, a economia portifólio e especulativa, de acordo com o processo de acumulação de capital sob a égide da financeirização.

Quem fez a farra com o Plano Real foi, dentre outros bancos estrangeiros, o Chase Manhattan com os seus superlucros.
São os bancos e as grandes instituições financeiras que irão conceder o prêmio Honoris Causa para FHC, o “gênio das ciências sociais” enfiando (como dizia Leonel Brizola) os barretes em sua cabeça por várias universidades do Primeiro Mundo pelo serviço prestado, sobretudo na Inglaterra de Tony Blair, o afilhado de dona Tatcher e pupilo de Giddens, o comensal assíduo nos ágapes oferecidos por Rupert Murdoch, a patota Barclays Bank e British Airways.

A política econômica neoliberal foi um desastre para a América Latina, empobreceu muita gente e marginalizou amplos setores da população. José Serra irá corrigir os defeitos dessa política imperialista de FHC? É difícil imaginar o discurso do PSDB agora para o que defendeu e executou no poder durante oito anos, tendo sido o principal agente político da universalização do capital monopolista.

Culpa e Insônia
O travesseiro de José Serra está esquentado com a questão: o que dizer na campanha de 2010 acerca da herança daquele que foi o seu progenitor político? Agora, com a crise da financeirização política do capital monopolista, nem a direita da metrópole defende mais a “flexibilização do capitalismo”.

A insônia de José Serra tem razão de ser: cadê o Giddens? Cadê o Blair? Cadê a Tatcher? Cadê o Clinton?

O modelo terceira via-globalização-privatizante-neoliberal fracassou. A alternativa durante a campanha é retornar a Keynes e aos investimentos públicos? Será que isso surtirá algum efeito?

O problema é o peso da herança: FHC foi a transferência do patrimônio público para os interesses privados.

O PSDB não é social nem democrático. Quem faz o programa desse partido é a big finança, e esta não tem nada de democrática; ao contrário, o capitalismo monopolista é contra a democracia.

O interesse imperialista da metrópole é o que determina a concepção do PSDB.

Os gerentes e estamentos anglosaxônicos formularam as políticas da “terceira via” e da privatização, porém isso resultou num desastre completo.

O que foi outrora tido como gênio, Tony Giddens, citado impreterivelmente na bibliografia dos cursos da pós-graduação em ciências sociais, virou um badameco da burguesia pirata de Londres.

Segundo o sibarita Giddens, acabou a luta de classes entre burguesia e proletariado, o vínculo entre nação opressora e nação oprimida foi dissolvido, dissipou a contradição capitalismo versus socialismo, assim a filantropia das ONGs é o que resolve a penúria; enfim, essa “terceira via” neoliberal privatizadora aumentou o abismo entre pobres e ricos.

O PSDB é um partido político colonizado e mimético, sua formatação origina-se dos centros financeiros do capitalismo, seu internacionalismo, ou melhor, seu cosmopolitismo é burguês, portanto não há abracadabra possível que faça José Serra pousar de nacionalista e defensor das riquezas naturais do país; afinal ele foi o fautor e companheiro de viagem do funeral feagaceano da era Vargas. Então, sem que se reduza a política à psicanálise, é preciso reconhecer que um espectro ronda o arraial tucano: o do parricídio. É a matança (simbólica, claro) do pai FHC pelo filho José Serra, se este quiser se despregar da “era vendida”, pelo menos durante a campanha eleitoral de 2010. Se não for seguido este caminho, não restará outra alternativa senão a afasia que o levará à autoimolação política.

Adiós, Serra.

Gilberto Felisberto Vasconcellos é sociólogo, jornalista e escritor

sábado, 20 de março de 2010

DOCUMENTO RESULTADO DO ENCONTRO DOS SERVIDORES DO TJPR!!!

O Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Paraná, por seu coordenador geral,ao final assinado, vem respeitosamente, informar e requerer o que segue:



1. Que nos dias 12, 13 e 14 de março, realizamos o 1º. Encontro dos Auxiliares Administrativos e novos contratados do Tribunal de Justiça em Praia de Leste, no litoral do Estado, conforme foi previamente informado a V.Excia.

2. Nesse encontro tivemos a participação institucional do Dr. José Otávio Padilha, que, com muita propriedade, expôs o planejamento estratégico do Tribunal de Justiça para os próximos anos.

3. Foram realizados trabalhos em grupo, momento em que houve uma maior aproximação entre os novos servidores das maisdistintas regiões do Estado e também da capital.

4. Nestes grupos de trabalho, foi incentivada uma ampla discussão sobre os problemas, dificuldades e também as possíveis soluções, propostas pela categoria, com o objetivo de juntos, fazermos uma nova Justiça, mais ágil e com a qualidade que a sociedade merece.

Passamos agora a expor os problemas apontados pela categoria, bem como as possíveis soluções:

a) Falta de funcionários – é do conhecimento de todos, que a maior parte dos auxiliares administrativos recentemente contratados já pediram exoneração,partindo para outras esferas da administração pública, mantendo a defasagem de mão de obra no judiciário. Está existindo uma rotatividade de servidores eestagiários, o que fatalmente irá prejudicar o andamento do trabalho e diminuir a qualidade do serviço prestado.

Solução proposta –antes da abertura de novos concursos públicos para o provimento das vagas existentes, autorizar as remoções, permutas e re-lotações.



b) Carga horária excessiva – todos os auxiliares administrativos têm uma

Jornada de trabalho aumentada, pela falta de pessoal e de estrutura de trabalho, a sobrecarga de processos de extinção da punibilidade, prescrição antecipada, processos nas varas de infância e juventude com prazos reduzidos não são atendidos como deveriam.

Solução proposta – certificar nos autos os motivos dos atrasos, levando ao conhecimento da administração os problemas e dificuldades enfrentadas em todas as varas e juizados.



c) Horas extras – praticamente todos os auxiliares administrativos realizam

Horas extras sem pagamento, em muitas comarcas trabalham inclusive nos finais de semana.



d) Jornada de 7 horas ininterruptas – essa é uma das reivindicações da

Categoria – pois já está provado em outros países, que a redução da jornada de trabalho, aumenta a produtividade e qualidade do serviço prestado, além de reduzir os afastamentos para tratamento de saúde.



e) Baixos Salários – os salários praticados para a categoria não condizem

com a demanda e responsabilidade exigida dos novos trabalhadores, que exercem a mesma função dos auxiliares de cartório, trabalham no mesmo local, com salários muito aquém dos colegas.

Solução proposta – equiparação dos auxiliares administrativos aos auxiliares de cartório, com aconseqüente revogação da lei que extinguiu os cargos do foro judicial.



f) Extinção dos cargos – inaceitável pelos auxiliares administrativos, pois

Iniciou-se a contrataçãoem 2008 e no final do mesmo ano, tiveram seus cargos extintos.

Solução proposta –revogação da lei 16023/08 no que se refere a extinção dos cargos e estabelecer um plano de carreiras imediatamente.



g) Retroativo do risco de vida –pagamento imediato da gratificação do

Risco de vida para osauxiliares administrativos conforme determina o art. 1º. Da lei 16008/08, bem como a extensão da gratificação aos auxiliares lotados nos juizados cíveis,pois estão expostos as mesmas condições de trabalho,frisando ainda que, os secretários dos juizados cíveis recebem a gratificação e os auxiliares não.



h) Vale alimentação e vale transporte– é uma necessidade da categoria, já

Foi negado pela administração anterior, fundamentado na lei estadual 11034/94.

Solução proposta –edição de nova lei que restabeleça o direito dos trabalhadores, estabelecendo um critério constitucional para a concessão dos benefícios.



i) Falta de estrutura e condições detrabalho – diversas comarcas do

Interior do estado e locais de trabalho da capital não possuem condições adequadas para o desempenho das atividades, falta espaço, falta ventilação, Juizados funcionam juntos com as varas criminas, família, infância e juventude. Ambientes insalubres, nas regiões oeste e norte, as salas não têm ar condicionado, nem mesmo ventiladores,o mesmo ocorre na capital, não existem nem ao menos bebedouros para os trabalhadores, sem falar na falta de local para arquivo. Varas criminais instaladas junto com as secretarias cíveis dos juizados, etc, etc.



j) PROJUDI – todos os processos são inacessíveis ao público, falta internet

(.com) para facilitar o trabalho.



k) Criação e instalação da defensoria pública no Estado.

l) Falta curso de capacitação para os servidores.

m) Acabar com as entrâncias, pois para regulamentar a carreira dos magistrados, para os servidores só trazem prejuízos.

n) Combater e denunciar o assédio moral em todos os níveis.

o) Construção de núcleos médicos regionais.

p) Reconhecimento da administração ao desvio ou acúmulo de função por parte dos novos servidores, que exercem a função de auxiliaresde cartório, secretários dos juizados, e fazem jus a diferença salarial.

q) Pagamento da gratificação do risco devida aos técnicos em informática, pois estão constantemente em viagens entre os diversos locais de trabalho e comarca, expostos aos riscos, e ainda, realizam suas atividades nas varas criminais, juizados e tribunais do júri, portanto em locais de risco, conforme a própria legislação prevê.



Estas são as principais reivindicações dos novos contratados, que requerem soluções breves, pois, quando assumiram os novos cargos tinham a expectativa de permanecer no Judiciário, terem uma carreira por todos sonhada. No entanto, com a extinção dos cargos e a conseqüente perda de direitos adquiridos por toda a categoria ao longo dos anos, acabou com toda e qualquer esperança de futuro. Acreditamos consenso na categoria e também na administração, que os novos contratados vieram para suprir a falta de servidores, agilizar o trabalho, trouxeram maior qualidade ao serviço prestado, na maioria esses novos trabalhadores têm nível superior, cursos de especialização mas não são reconhecidos.

É necessário que a administração encare esses novos trabalhadores como de cargo efetivo e não temporário, pois não pretendem utilizar o judiciário como um trampolim para carreiras em outras esferas da administração pública. Pretendem constituir carreira no Judiciário do Paraná. Em outros Estados da Federação , mesmo com a criação dos novos quadros de servidores, o Judiciário efetuou a transformação de cargos, garantiu os direitos adquiridos aos servidores e não houve prejuízos.



Diante do exposto, requeremos que sejam restabelecidas as carreiras, sejam atendidas as nossas reivindicações, pois temos certeza que o nosso objetivo é o mesmo que norteia toda a administração pública, prestar um serviço ágil e de qualidade para toda a população.

sexta-feira, 19 de março de 2010

A VEJA MOSTRA A QUADRILHA DO SERRA EM AÇÃO!!!

Doleiro da Veja abre a "caixa de pandora" de José Serra

A revista Veja, ao recorrer ao "doleiro" Lucio Bolonha Funaro, abre a caixa de pandora que ronda perigosamente José Serra (PSDB/SP), através das relações com o banqueiro tucano Luiz Carlos Mendonça de Barros.

Lucio Funaro aparece na CPI dos Correios em uma operação que deu prejuízo de R$ 32 milhões ao Banco do Brasil, mas quem aparece ganhando na outra ponta foi a corretora Link, dos filhos de Luiz Carlos Mendonça de Barros.

José Serra e Mendonça de Barros eram tão próximos que, quando Serra era Ministro do Planejamento de FHC, em 1995, nomeou-o presidente do BNDES, declarando "Luiz Carlos ... é uma figura em quem confio sem nenhuma restrição":


Na presidência do BNDES, Mendonça de Barros foi um verdadeiro "sócio" e escudeiro de José Serra na empreitada das privatizações, onde articulava ativamente a montagem dos consórcios privados junto aos fundos de pensão que disputavam os leilões de privatização.

Mendonça foi para o BNDES, saindo da sociedade com André Lara Rezende no Banco Matrix. Segundo o Terra Magazine, o jornalista Luís Nassif viu, em seu livro "Os cabeça de planilha", uma ação deliberada dos formuladores e implementadores do plano Real, na valorização frente ao dolar, com o objetivo de beneficiar a si próprios e a aliados: "Eles tomaram um conjunto de medidas técnicas cuja única lógica foi permitir enormes ganhos para quem sabia para onde o câmbio ia caminhar. E o grande vitorioso desse período é o André Lara Resende, que é um dos formuladores dessa política cambial... O banco Matrix ganhou centenas de milhões de dólares naquele período. O Matrix é do André Lara Resende.", disse Nassif ao Terra Magazine.

Nassif não citou Luiz Carlos Mendonça de Barros, mas ele era sócio fundador do Matrix, desde 1993, saindo da sociedade apenas ao final de 1995, para assumir o BNDES, nomeado por Serra.

Em meio a essa teia de relacionamento da política demo-tucana com o mercado financeiro, eis que surge o depoimento de Lucio Bolonha Funaro na CPI dos Correios, em 08 de março de 2006:

SR. LÚCIO BOLONHA FUNARO: ... a imprensa, ela não tem o intuito de ir a fundo nas investigações, prova disso é o que aconteceu com essa REVISTA ÉPOCA. Numa operação que eu fiz de swap, eu ganho 700 mil reais e sai estampada a minha cara em três páginas da revista; a LINK ganha 31 milhões e 300 mil reais e ele não fala nada, ele fala só de mim.

...Por que o cliente da LINK, e quem é o cliente da LINK, aceitou pagar essa diferença tão grande, nós só vamos poder saber de uma maneira: Quebrando o sigilo da LINK e vendo quem é a ponta final.

... Com operação desse tipo, que dá 32 milhões de prejuízo para a BANCO DO BRASIL... Desses 32 milhões, eu fiquei com 0,25%, um spread perfeitamente aceitável para o tamanho da operação. A LINK ganhou o grosso.

... eu ganhei 0,30, que foi 750 mil reais que o Senhor apurou; 750 mil reais para 33 milhões de reais. Isso aí foi tudo transacionado dentro da LINK, eu não sei quais foram as taxas que foram praticadas no mercado daquele dia. O que tem que se apurar é isso e apurar quem é a ponta final da Link, porque sem a gente saber quem é a ponta final, não dá para saber o que aconteceu.

Lembrando que, a LINK é a corretora dos filhos de Luiz Carlos Mendonça de Barros.

O relatório final da CPMI “dos Correios”, Volume III - Pág. 1504, cita a LINK:

"Em um dos seus mais notórios envolvimentos com empresas estatais, o Sr. Lúcio Bolonha Funaro figurou como contraparte em operações de SWAP frente ao Banco do Brasil, cujo resultado foi um prejuízo de R$ 32 milhões para o Banco e ganho de R$ 656 mil para o Sr. Lúcio Bolonha Funaro, sendo que mais de R$ 30 milhões foram transferidos para a Link Derivativos."

O objetivo da revista Veja é requentar episódios do "mensalão" de Roberto Jefferson. Na falta de escândalo novo, requenta-se os velhos para ajudar a candidatura de Serra. Mas a revista está, sem querer, abrindo a caixa de pandora de José Serra.

Três CPI's e o Ministério Público investigaram exaustivamente os envolvidos do PT no "mensalão" de Roberto Jefferson. Na hora em que as investigações começavam a se direcionar para os demo-tucanos, eram abafadas. Por isso, onde haverá novidades quando se requenta o assunto é justamente nas partes que não foram exaustivamente investigadas ainda, e que atingem em cheio os demo-tucanos ligados a José Serra e FHC.

O rombo de R$ 32 milhões no Banco do Brasil, que foi parar na corretora Link é um bom começo para retomar de onde parou. O sub-relator da CPMI dos Correios, ACM Neto, foi com sede ao pote acreditando que esse dinheiro faria parte do "mensalão" de Roberto Jefferson. Receberam uma ducha de água fria ao descobrirem que foi parar na corretora dos filhos do banqueiro tucano Mendonça de Barros.

Para que mãos finais foi esse dinheiro? Até hoje não está esclarecido.

Mais coincidências:

Lucio Bolonha Funaro é sobrinho do ex-ministro da fazenda Dilson Funaro (governo Sarney), que fez o plano cruzado. Era ligado aos tucanos paulistas (na época todos ainda estavam no PMDB).

domingo, 14 de março de 2010

A RESERVA DE VAGAS E A IRA DEMOTUCANA!!!

Desvendar o mito por trás da polêmica das cotas raciais
Por Luciana Araujo

O Supremo Tribunal Federal reacendeu a discussão sobre a justeza da reserva de vagas nas universidades brasileiras para estudantes negros, afrodescendentes ou indígenas - as chamadas cotas raciais – ao realizar, na primeira semana deste mês, audiência pública prévia ao julgamento da ação impetrada pelo DEM contra a Universidade de Brasília.

O evento serviu ao menos para por a nu as reais motivações e objetivos dos DEMOcratas (ex-Arena e ex-PFL). Especialmente esclarecedora foi a declaração do senador Demóstenes Torres, digna de um senhor de engenho. Para ele, as políticas de reparação não se justificam porque a “exportação” de pessoas para o mercado negreiro teria incentivado a economia africana – logo a escravidão seria responsabilidade dos negros. O senador goiano foi além e acusou as mulheres escravizadas de serem coniventes e permissivas com os estupros sofridos.

A advogada dos DEMOcratas, Roberta Kauffmann, ex-pupila do presidente do STF, o ministro Gilmar Mendes – que foi seu orientador durante o mestrado sobre as políticas afirmativas na universidade brasileira - alegou ainda que não se pode estabelecer um processo de “racialização do país, com a segregação de direitos com base na cor da pele”.

A postura dos dois senhores acima mencionados evidencia o grau de reacionarismo e o forte racismo ainda arraigado na sociedade brasileira. É o que explica porque, mais de um século após o 13 de maio de 1888, no Brasil ainda se contrata pessoas pelo critério da “boa aparência”. Ou porque os negros recebem até 90% menos que os trabalhadores brancos para desenvolver a mesma função e são 73% dos 10% mais pobres do país. Ou, ainda, porque um jovem negro em nosso país tem quatro vezes mais chances de morrer assassinado que um menino branco. E porque nas universidades públicas brasileiras apenas 23% dos estudantes são negros (na USP, esse percentual cai para 2%).

Os dados jogam por terra o mito da “democracia racial”. Basta voltar os olhos para as favelas e periferias de nosso país – carentes de quaisquer políticas de garantia de infra-estrutura e onde o único braço do Estado que chega é o da repressão - para perceber que a pobreza no Brasil tem cor.

Essa realidade é resultado dos 358 anos de regime escravocrata no país e pela forma como se deu a abolição até hoje inconclusa. No longínquo 13 de maio, milhares de homens, mulheres, jovens e crianças foram jogados à própria sorte como se o Estado não tivesse nenhuma responsabilidade pelo fato deles terem sido seqüestrados de sua terra natal e mantidos confinados como animais durante quase meio século.

O descompromisso histórico do Estado brasileiro com os negros e as negras no país é também uma forma de perpetuação do preconceito e do racismo. Desde os tempos do regime escravista, direitos básicos são negados aos negros – assim como aos indígenas – em nosso país. É responsabilidade desse Estado reparar a distinção incentivada e patrocinada pelas instituições que fundaram as bases sócio-econômicas e políticas de nosso país.

As ações afirmativas por si só não asseguram o fim da descriminação racial, mas são um elemento concreto de reconhecimento da responsabilidade do Estado pela realidade em que vivemos. O racismo continuará existindo enquanto vivermos sob a égide do capital – que a tudo mercantiliza e se utiliza da opressão, especialmente de gênero e etnia – para legitimar a propriedade e potencializar os lucros de uns poucos ao custo das vidas de milhares. É um subproduto e uma necessidade do capital.

Mas essa realidade não anula o fato de que é devida a nós negros a reparação pela chaga escravista de quase quatro séculos da história brasileira. Enquanto isso não ocorrer, o “não racismo” nacional continuará reservando aos negros a triste representação recentemente exibida na novela ‘Viver a Vida’, da Rede Globo. Na trama, uma mulher negra até galgou o posto de protagonista, mas o enredo a fez submeter-se a ajoelhar diante de outra mulher, branca, para receber uma bofetada e ainda pedir desculpas.

Não foi à toa também que o Estatuto da Igualdade Racial recentemente aprovado no Congresso Nacional foi mitigado, retirando-se do texto as reivindicações mais profundas dos movimentos sociais que lutam contra o racismo.

E também não é uma coincidência que foram os mesmos DEMOcratas que pediram a instauração da CPMI no Congresso Nacional para criminalizar o MST. Esses são exemplos da ação organizada da burguesia brasileira, de uma elite branca e racista que controla o país e impõe, pela via da força quando necessário, sua visão de mundo. E, a julgar pela composição da mais alta corte do país – que ao longo de seus 120 anos de existência sempre atendeu aos anseios da elite que a instituiu – o processo de reparação pelos efeitos da escravidão está ameaçado de um novo retrocesso.

É fundamental a ampliação deste debate para o conjunto da sociedade brasileira e a organização de uma grande campanha em defesa das cotas raciais, bem como para que sejam assegurados os investimentos necessários à ampliação de vagas nas instituições públicas de ensino superior, para efetivar o direito de ingresso de filhos da classe trabalhadora nas universidades brasileiras. As cotas não são uma benesse do Estado aos negros e indígenas, mas o início do pagamento de uma dívida que já dura 510 anos.


Luciana Araujo é jornalista

sábado, 6 de março de 2010

DE FIDEL CASTRO SOBRE LULA!!!

Fidel Castro

O último encontro com Lula
Tradução: ADITAL
O conheci em Manágua (Nicarágua), em julho de 1980, há 30 anos,
durante a comemoração do primeiro aniversário da Revolução Sandinista,
graças a meus contatos com os partidários da Teologia da Libertação,
que começaram no Chile, quando, em 1972, visitei o presidente Allende.
Por Frei Betto, eu sabia quem era Lula, um líder operário em quem os
cristãos de esquerda colocavam suas esperanças.
Tratava-se de um humilde operário da indústria metalúrgica que se
destacava por sua inteligência e prestígio entre os sindicatos, na
grande nação que emergia das trevas da ditadura militar imposta pelo
império ianque, na década de 60.
As relações do Brasil com Cuba tinham sido excelentes até que o poder
dominante no hemisfério fez com que elas sucumbissem. Passaram-se
décadas até que voltassem lentamente a ser o que são atualmente.
Cada país viveu sua história. Nossa pátria suportou inusitadas
pressões nas etapas incríveis vividas desde 1959, em sua luta diante
das agressões do império mais poderoso que já existiu na história.
Por isso, a reunião que acaba de acontecer em Cancun e a decisão de
criar uma Comunidade de Estados da América Latina e do Caribe é de
grande transcendência para nós. Nenhum outro fato institucional de
nosso hemisfério durante o último século reflete transcendência
similar.
O acordo é alcançado em meio a mais grave crise econômica que já
aconteceu no mundo globalizado, coincidindo com o maior perigo de
catástrofe ecológica de nossa espécie e também com o terremoto que
destruiu Porto Príncipe, capital do Haiti, o mais doloroso desastre
humano da história de nosso hemisfério, no país mais pobre do
continente e no primeiro onde a escravidão foi erradicada.
Quando escrevia essa reflexão, a seis semanas da morte de mais de
duzentas mil pessoas, de acordo com as cifras oficiais, chegaram
notícias dramáticas dos danos causados por outro sismo no Chile, que
ocasionou a morte de pessoas cujo número se aproxima a mil, segundo
cifras das autoridades, e enormes danos materiais. As imagens do
sofrimento de milhões de chilenos atingidos material ou emocionalmente
por esse duro golpe da natureza comoviam. Afortunadamente o Chile é um
país com mais experiência frente a esse tipo de fenômeno, muito mais
desenvolvido economicamente e com mais recursos. Se não pudesse contar
com infraestruturas e edificações mais sólidas, um incalculável número
de pessoas, talvez dezenas ou centenas de milhares de chilenos teriam
perecido. Fala-se de dois milhões de danificados e possíveis perdas
que oscilam entre 15 e 30 bilhões de dólares. Em sua tragédia, conta
também com a solidariedade e a simpatia dos povos, entre eles, o
nosso, cujo governo foi um dos primeiros a expressar ao Chile
sentimentos de solidariedade quando as comunicações ainda estavam
avariadas e apesar de que podemos fazer pouco diante do tipo de
cooperação que estão necessitando no momento
O país que hoje põe à prova a capacidade do mundo para enfrentar a
mudança climática e garantir a sobrevivência da espécie humana é, sem
dúvida, o Haiti, por constituir um símbolo da pobreza que hoje padecem
milhares de pessoas no mundo, incluída uma grande parte dos povos de
nosso continente.
O que aconteceu no Chile com o terremoto de incrível intensidade (8,8º
em escala Richter e a mais profundidade do que o que atingiu o Haiti),
me obriga a enfatizar a importância e o dever de estimular os passos
de unidade alcançados em Cancun; mesmo que não me iluda sobre o
difícil e complexa que será nossa luta de ideias frente ao esforço do
império e de seus aliados dentro e fora de nossos países para frustrar
a tarefa unitária e independentista de nossos povos.
Desejo deixar constância escrita da importância e do simbolismo que
para mim teve a visita e o último encontro com Lula, desde o ponto de
vista pessoal e revolucionário. Ele disse que, perto de finalizar seu
mandato, desejava visitar seu amigo Fidel; qualificativo honroso que
recebi de sua parte. Creio conhecê-lo bem. Conversamos várias vezes
fraternalmente dentro e fora de Cuba.
Uma vez tive a honra de visitá-lo em sua casa, situada em um modesto
bairro de São Paulo, onde residia com sua família. Para mim, foi um
encontro emotivo com ele, sua esposa e seus filhos. Não esquecerei
nunca a atmosfera familiar e saudável daquele lar e o sincero afeto
com que seus vizinhos falavam com ele, quando Lula já era um líder
operário e político de prestígio. Ninguém sabia naquele momento se
chegaria ou não à presidência do Brasil, pois os interesses e forças
que se opunham eram muito grandes; porém, me agradava falar com ele.
Lula não se importava muito com o cargo; o satisfazia o prazer de
lutar e o fazia com grande modéstia; a mesma que demonstrou quando,
tendo sido vencido por duas vezes por seus poderosos adversários,
somente aceitou a postulação do Partido dos Trabalhadores por uma vez
mais devido á forte pressão de seus amigos mais sinceros.
Não contarei quantas vezes nos falamos antes que chegasse à
presidência; uma delas, nos primeiros tempos, na década de 80, quando
lutávamos em Havana contra a dívida externa da América Latina, que,
naquele tempo ascendia a 300 bilhões de dólares e havia sido paga mais
de uma vez. Lula é um lutador nato.
Como disse, por duas vezes seus adversários, apoiados em enormes
recursos econômicos e midiáticos, o derrotaram nas urnas. Seus
colaboradores mais próximos e amigos sabiam, no entanto, que havia
chegado a hora daquele humilde operário ser candidato do Partido dos
Trabalhadores e das forças da esquerda.
Certamente, seus oponentes o subestimaram; pensaram que não poderia
contar com maioria alguma no órgão legislativo. Já não existia a URSS.
O que Lula poderia significar na presidência do Brasil, uma nação de
grandes riquezas; porém, de escasso desenvolvimento em mãos de uma
burguesia rica e influente?
No entanto, o neoliberalismo entrava em crise, a Revolução Bolivariana
havia triunfado na Venezuela; Menem estava em queda vertical; Pinochet
havia desaparecido de cena; e Cuba resistia. Porém, Lula é eleito
quando Bush triunfa fraudulentamente nos Estados Unidos, despojando da
vitória ao seu rival Al Gore.
Iniciava-se uma difícil etapa. Impulsionar a carreira armamentista e,
com ela, o papel do Complexo Militar Industrial, e reduzir os impostos
aos setores ricos, foram os primeiros passos do novo presidente dos
Estados Unidos.
Com o pretexto da luta contra o terrorismo, reiniciou as guerras de
conquista e institucionalizou o assassinato e as torturas como
instrumento de domínio imperialista. São impublicáveis os fatos
relacionados com as prisões secretas, que delatavam a cumplicidade dos
aliados dos Estados Unidos com essa política. Desse modo, acelerou-se
a pior crise econômica dentre as que, de maneira cíclica e crescente,
acompanham ao capitalismo desenvolvido; porém, desta vez, com os
privilégios de Bretton Woods e sem nenhum de seus compromissos.
O Brasil, por sua parte, nos últimos oito anos sob a direção de Lula,
vencia obstáculos, incrementava seu desenvolvimento tecnológico e
potencializava o peso da economia brasileira. A parte mais difícil foi
seu primeiro período; porém, teve êxito e ganhou experiência. Com seu
incansável batalhar, serenidade, sangue frio e crescente consagração à
tarefa em condições internacionais tão difíceis, o Brasil alcançou um
PIB que se aproxima aos dois bilhões de dólares. Os dados variam
segundo as fontes; porém, todas o situam entre as 10 maiores economias
do mundo. Apesar disso, com uma superfície de 8 milhões de quilômetros
quadrados, frente aos Estados Unidos que apenas possui algo mais de
território, o Brasil alcança somente cerca de 12% do PIB desse país
imperialista que saqueia o mundo e desloca suas forças armadas em mais
de mil bases militares em todo o planeta.
Tive o privilégio de assistir à sua posse, no final de 2002. Também
esteve Hugo Chávez, que acabava de enfrentar o golpe de Estado
traidor, de 11 de abril desse ano e, posteriormente, o golpe
petroleiro organizado por Washington. Bush era presidente. As relações
entre o Brasil, a República Bolivariana e Cuba sempre foram boas e de
respeito mútuo.
Eu tive um sério acidente em outubro de 2004, que limitou seriamente
minhas atividades durante meses e fiquei gravemente enfermo no final
de julho de 2006, em virtude do qual não vacilei em delegar minhas
funções à frente do Partido e do Estado, na proclamação de 31 de julho
desse ano, em caráter provisório, porém, em seguida, em caráter
definitivo, quando compreendi que não estaria em condições de
assumi-las novamente.
Quando à gravidade de minha saúde me permitiu estudar e meditar, me
consagrei a isso e a revisar materiais de nossa Revolução e, de vez em
quando, a publicar algumas Reflexões.
Depois que fiquei enfermo, tive o privilégio de ser visitado por Lula
por quantas vezes veio à nossa pátria e de conversar amplamente com
ele. Não direi que sempre coincidi com toda sua política. Por
princípio, sou oposto à produção de biocombustível a partir de
produtos que possam ser utilizados como alimentos, consciente de que a
fome é e poderá ser cada vez mais uma grande tragédia para a
humanidade.
No entanto, o expresso com toda franqueza, não é um problema criado
pelo Brasil e muito menos pelo Lula. Faz parte inseparável da economia
mundial imposta pelo imperialismo e por seus aliados ricos que,
subsidiando suas produções agrícolas, protegem seus mercados internos
e competem no mercado mundial com as exportações alimentares dos
países do Terceiro Mundo, obrigados a importar em troca dos artigos
industriais produzidos com as matérias primas e os recursos
energéticos deles mesmos que herdaram a pobreza de séculos de
colonialismo. Compreendo perfeitamente que o Brasil não tinha
alternativa frente à competição desleal e os subsídios dos Estados
Unidos e da Europa do que incrementar a produção do etanol.
A taxa de mortalidade infantil no Brasil, todavia é de 23,3 por cada
mil nascidos vivos e a mortalidade materna de 110 por cada 100 mil
partos, enquanto que nos países industrializados e ricos é menos de 5
e 15, respectivamente. Poderíamos citar outros dados similares.
O açúcar de beterraba, subsidiado pela Europa, arrebatou nosso país do
mercado açucareiro, derivado da cana de açúcar, trabalho agrícola e
industrial precário e eventual que mantinha aos trabalhadores
açucareiros no desemprego por grande parte do tempo. Os Estados
Unidos, por seu lado, se apoderou de nossas melhores terras e suas
empresas eram donas da indústria. Um dia, abruptamente, nos despojaram
da quota açucareira e bloquearam nosso país para esmagar a Revolução e
a independência de Cuba.
Hoje, o Brasil desenvolveu o cultivo da cana de açúcar, da soja e do
milho com máquinas de alto rendimento que podem ser empregadas nesses
cultivos com altíssima produtividade. Um dia, quando observei a
filmagem de uma extensão de 40 mil hectares de terra em Ciego de Ávila
dedicada ao cultivo da soja em rotação com milho, onde tentavam
trabalhar durante todo o ano, exclamei: é o ideal de uma empresa
agrícola socialista, altamente mecanizada com elevada produtividade
por home/por hectare.
Os problemas da agricultura e suas instalações no Caribe são os
furacões que, em número crescente, arrasam seu território.
Também nosso país elaborou e assinou com o Brasil o financiamento e
construção de um moderníssimo porto em Mariel, que será de enorme
importância para nossa economia.
Na Venezuela, estão utilizando a tecnologia agrícola e industrial
brasileira para produzir açúcar e utilizar o bagaço como fonte de
energia termoelétrica. São equipamentos de tecnologia avançada que
trabalham também em uma empresa socialista. Na República Bolivariana
utilizam o etanol para melhorar o efeito ambientalmente nocivo da
gasolina.
O capitalismo desenvolveu as sociedades de consumo e também o
desperdício de combustível que engendrou o risco de uma dramática
mudança climática. A natureza tardou 400 milhões de anos em criar o
que nossa espécie está consumindo em apenas dois séculos. A ciência
não resolveu o problema da energia que substituirá a que hoje é gerada
pelo petróleo; ninguém sabe quanto tempo requererá e quanto custaria
resolvê-lo a tempo. Disporá dele? Isso foi discutido em Copenhague, e
a Cúpula foi um fracasso total.
Lula me contou que quando o etanol custa 70% do valor da gasolina, já
não é negócio produzi-lo. Expressou que o Brasil, ao dispor do maior
bosque do planeta, reduzirá progressivamente o desflorestamento em 80%
Hoje, possui a maior tecnologia do mundo para perfurar o mar e pode
extrair combustível situado a uma profundidade de sete mil metros de
água e fundo marinho. Há 30 anos isso soaria a ficção científica.
Explicou os programas educacionais de alto nível que o Brasil se
propõe a levar adiante. Valoriza o papel da China na esfera mundial.
Declarou com orgulho que o intercâmbio comercial com esse país se
eleva a 40 bilhões de dólares.
Uma coisa é indiscutível: o operário metalúrgico converteu-se
atualmente em um estadista destacado e prestigiado, cuja voz é
escutada com respeito em todas as reuniões internacionais.
Está orgulhoso por ter recebido a honra dos Jogos Olímpicos a ser
realizados no Brasil em 2016, em virtude do excelente programa
apresentado na Dinamarca. Também será sede do Mundial de Futebol, em
2014. Tudo isso foi fruto dos projetos apresentados pelo Brasil, que
superaram os de seus competidores.
Uma grande prova de seu desprendimento foi a renúncia à reeleição, e
confia que o Partido dos Trabalhadores continuará governando o Brasil.
Alguns invejosos de seu prestígio e de sua glória, e, pior ainda, os
que estão a serviço do império, o criticaram por visitar Cuba.
Utilizaram para isso calúnias vitais que há meio século são usadas
contra Cuba.
Lula sabe que há muitos anos em nosso país jamais ninguém foi
torturado; jamais se ordenou o assassinato de um adversário; jamais se
mentiu para o povo. Tem a segurança de que a verdade é companheira
inseparável de seus amigos cubanos.
De Cuba partiu rumo a nosso vizinho Haiti. A ele informamos nossas
ideias sobre o que propomos com relação a um programa sustentável,
eficiente, especialmente importante e muito econômico para o Haiti.
Ele sabe que mais de cem mil haitianos foram atendidos por nossos
médicos e pelos graduados na Escola Latinoamericana de medicina de
Cuba após o terremoto. Falamos de coisas sérias; conheço seus ardentes
desejos de ajudar a esse nobre e sofrido povo.
Guardarei uma inabalável recordação de meu último encontro com o
Presidente do Brasil e não vacilo em proclamá-lo.
1º de Março de 2010