domingo, 24 de janeiro de 2010

TEATRO POLÍTICO EM CURITIBA!!! CPC DA UNE!!!

Publicado em Espetáculos, Índice por teatropolitico60 em 07/01/2010

Cena do espetáculo “A mais valia vai acabar, seu Edgar!”.

A partir dos textos redigidos por Vianinha nas décadas de 1960 e 1970, reunidos por Fernando Peixoto em 1983, é possível compreender o posicionamento e a insatisfação do dramaturgo frente à realidade do Teatro de Arena e, consequentemente, sua busca por uma nova forma de fazer teatro. Os atores do Arena já haviam encenado, no início da década de 1960, as peças: “Eles não usam Black Tie” , de Guarnieri, ” Revolução na América do Sul” , de Augusto Boal, e ” Chapetuba Futebol Clube”, de Vianinha. Para Vianinha, o Arena só poderia continuar trilhando o caminho a que se havia proposto desde o início se continuasse pensando e aprofundando discussões e estudos sobre a realidade social, sobre o homem brasileiro e seus problemas, e para tanto seria de extrema importância utilizar Marx como referencial:

“Nós fazemos um teatro determinista que se basta em seguir os processos e causas de um fato inevitável. Nada mais. Por que Marx? Por que estudar Marx e não Bergson? Estudar Bergson, também não nos basta. Vamos estudar o filósofo que funda sua filosofia nas relações de produção do homem e em cima da alienação. Vamos a Marx, não para esquematizar nossas ações, mas ao contrário: para liberá-las. Estou certo que nem esses motivos são suficientes. Só detesto que se deixe de estudar Marx por qualquer tipo de prevenção. Se me convencerem da importância de Bergson, vamos a ele. Mas, se para nós, tudo isso que está acontecendo reside principalmente na mais-valia, adeus Bergson. Vamos ao dono da bola e não ao roupeiro.”
Oduvaldo Viana Filho

A intenção de aprofundar a discussão sobre a realidade brasileira a partir do vocabulário marxista e o desejo de se relacionar com outras entidades políticas e culturais, imprimindo o engajamento do teatro em torno de projetos que propiciassem a politização da sociedade brasileira, levaram Vianinha deixar o Arena e escrever a peça sobre a mais-valia, um dos conceitos de referência da teoria marxista. Entretanto, faltava-lhe o aprofundamento teórico, o que o fez se aproximar do Iseb ( Instituto Social de Estudos Brasileiros), encontrando lá o sociólogo Carlos Estevam Martins, que o auxiliou elaborando um roteiro didático sobre o conceito e demais teses marxistas.

“A peça “A mais valia vai acabar, Seu Edgar”, é um musical que, por meio de humor, desenvolve a condição de explorador do capitalista e a situação de espoliado do operário, no âmbito moral, emocional, material, sexual, etc. No desenrolar do espetáculo, os operários passam a conhecer sua situação por meio da teoria da mais valia, que possibilitará a tomada de consciência e a organização da classe, permitindo no futuro, sua emancipação. As personagens são categorias sociais (os desgraçados e os capitalistas), que vivenciam, no palco, por intermédio de esquetes, situações nas quais a opressão se manifesta didaticamente. Vianinha, para tanto lançou mão de vários recursos técnicos (projeção de slides e cartazes para comentar ou ilustrar as situações apresentadas no palco) que foram desenvolvidos no teatro de agitação de Erwin Piscator, na Alemanha dos anos 20 e que hoje fazem parte da história da encenação ocidental.”
Rosângela Patriota

O êxito da peça no Rio, encenada num pequeno teatro da Faculdade de Arquitetura, atraiu muita gente identificada com o grupo que a encenou. Finda a temporada, para manter agregado o pessoal que havia se aproximado em função da peça, os promotores do espetáculo resolveram montar um curso de História da Filosofia, ministrado pelo jovem professor José Américo Pessanha. Como a platéia dos espetáculos era basicamente estudantil, procuraram a UNE para sediar o curso e a idéia foi bem recebida pela entidade, representada pelo seu presidente, o estudante Aldo Arantes. (BERLINCK, 1984, p. 24)

Sobre a idéia inicial do CPC, Carlos Estevam Martins relatou, em depoimento na década de 1990, que:

“A idéia de se criar o CPC junto com a UNE demorou uns seis meses após a apresentação da Mais Valia. Ela nasceu da reflexão sobre a heterogeneidade artística e cultural das pessoas que freqüentavam as apresentações da peça e depois passaram a fazer o curso de Filosofia. Foi feita a seguinte constatação: aqui tem gente de Teatro, Artes Plásticas, Cinema, de Música… Então, nós temos que manter essas pessoas unidas e criar condições para esse pessoal produzir. Colocou-se, de imediato, o problema de se ter um local para produzir. E alguém, que não me lembro quem foi, teve a idéia de dizer: Vamos procurar a UNE! Nós procuramos a UNE para montar o tal curso de filosofia e nesse contato a idéia foi crescendo. Já que há uma situação de heterogeneidade, vamos fazer um negócio multidisciplinar com as várias artes possíveis e, ao mesmo tempo, vamos expandir e levar até o povo. Então, combinavam-se as duas coisas: o objetivo inicial do Vianinha e Chico de Assis, que era ir buscar platéias populares e a possibilidade de se fazer uma arte popular, ou seja, chegar até o povo através da arte.”
Carlos Estevam Martins

Assim se formou o CPC, inicialmente como um projeto político-cultural que contou com a participação de várias pessoas, com destaque para Leon Hirszman, Carlos Lyra, Francisco de Assis, Vianinha e Carlos Estevam Martins.

“Havia música, e por isso convidei Carlos Lyra, um do iniciadores do movimento da bossa-nova, para compor as canções que o Vianinha tinha criado para a pela. Entendi que a Arena da Arquitetura, grande como era, devia ter um cenário monumental, e assim um grupo de estudantes de arquitetura passou a criar um cenário de 15 metros de altura com vários planos. Num deles iria ficar o conjunto musical, e nos outros se desenvolviam cenas. Também no plano do chão a peça se desenvolvia. Depois pensamos em usar cinema, e Leon Hirszman veio trabalhar com a gente. Depois do cinema inventamos slides e fomos inventando uma parafernália de meios que redundou numa revista musical. (…) Os ensaios eram abertos. ao público e pouco a pouco foi se formando uma platéia constante que comentava e discutia cada caminho que íamos tomando. Aprendemos a cantar e dançar e fomos chegando a um espetáculo definitivo. Depois de três meses de ensaio estreou a Mais Valia com o Teatro de Arena da Faculdade de Arquitetura lotado e largando gente pelo ladrão. Foi um susto, porque só tínhamos usado os meios mais precários de divulgação. Ao final da estréia houve muita empolgação e todos os sintomas mostravam que havíamos conseguido sucesso. Eu tinha afastado o Vianinha dos ensaios e ele viu a encenação pela primeira vez na estréia, com a platéia lotada. Como diretor estreante e inseguro eu achava que a presença do Vianinha nos ensaios poderia perturbar o meu trabalho. Mas levei aos ensaios meus colegas do Arena: Flávio Migliaccio, Milton Gonçalves, Henrique César, Arnaldo Weiss, Nelson Xavier. Discutimos com eles e aproveitamos idéias.”
(do dramaturgo e diretor da peça Chico de Assis em depoimento para o site de Carlos Lyra)

Link para letras das músicas produzidas por Carlos Lyra para o espetáculo

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“pátria o muerte!” – teatro do povo
Publicado em Espetáculos, Índice por teatropolitico60 em 16/08/2009


“Pátria o Muerte!”, espetáculo encendado pelo CPC/PR, em Curitiba em 1960. Ao centro, Euclides Coelho de Souza.

Em 1959, Euclides Coelho de Souza, mais conhecido hoje como Dada (do Teatro de Bonecos), na época aluno de Engenharia da Universidade Federal do Paraná, filiado ao PCB, era dirigente da juventude comunista em Curitiba e uma das tarefas a que se propôs foi a criação de um grupo de teatro com atores e estudantes. Com a contribuição da atriz e estudante de Medicina, Mariza de Oliveira e da advogada militante do partido, Terezinha Garcia, foi fundado o Teatro do Povo. Além dos fundadores, integraram-se às atividades do recém criado Teatro do Povo, Walmor Marcelino, Abaúna Bussmeyer, Oracy Gemba, Jiomar Turim, Mathias Werner, Jodat Nicholar Kury e Marly Correia de Oliveira. A primeira peça montada, ao final de 1960, foi “Patria o Muerte!”, de Oduvaldo Vianna Filho, que falava a respeito da Revolução Cubana.

A partir de uma notícia do jornal “O Semanário”, sobre a apresentação da peça de Vianinha (Oduvaldo Viana Filho) na frente do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Terezinha Garcia levou ao partido a idéia de divulgar no meio estudantil as ameaças de invasões dos Estados Unidos à Cuba, bem como discutir os princípios da Revolução Cubana, pouco divulgados pela imprensa curitibana. Segundo Euclides em depoimento nos anos 80, “o desejo inicial era levar teatro para o povo, e então levamos num caminhão a peça em vários bairros populares, mas nada sabíamos naquela época de teatro, nem mesmo de teatro popular. Desta primeira peça, divulgamos os acontecimentos cubanos e formamos um núcleo artístico e cultural do Partido.” (LEON, 1985)

Ao analisar a peça “Pátria o Muerte!”, encenada em Curitiba pelos integrantes do Teatro do Povo, o crítico teatral Edésio Passos, em 1960, traz de forma sintetizada de que maneira e com que objetivo o espírito revolucionário fora inserido no texto:

“Patria o Muerte quer mostrar, embora rapidamente, o sentido universal da Revolução Cubana. As contradições daquele país americano, de sua situação política e econômica, são mostradas de maneira a atingir especialmente aos que não se encontram entrosados no movimento libertador daquele povo. Oduvaldo não entra, no entanto na discussão de problemas profundos que atingem a citada revolução, mas quer fazer sentir a necessidade de outra pátria. Os contrapontos de sua rápida peça, a anteposição das vozes em coro, representando o povo e das banalidades e superficialidades de Batista e seus comandados são suficientes para, em meia hora, apresentarem a situação de como se desenvolveu a revolução.”
Edesio Passos, 1960

O jornal “Última Hora”, noticiou, no início de 1961, as atividades do Teatro do Povo, explicitando sua composição e objetivos:

“O Teatro do Povo, compõe-se exclusivamente de amadores e utiliza um caminhão fazendo as vezes de palco volante, o caminhão de modelo antigo pertence a um nacionalista que, nos dias de semana o utiliza para fazer fretes. O grupo é integrado por estudantes e professores, jornalistas e atores amadores. Foi fundado há um mês apenas e se propõe a levar peças de conteúdo social, educando e divertindo o público ao mesmo tempo. A peça Patria o muerte, é uma síntese da revolução cubana e satiriza o regime do ditador Batista e a política americana dos trustes. Os atores usam placas identificando-se e o povo como personagem faz o coro como fundo do diálogo. Cuba não será invadida – grita o coro no final, acrescentando que se Cuba for invadida será a Cuba de todos os cubanos de todo o mundo, defendida por todos os cubanos de todo o mundo.”

Link para download da dissertação de mestrado “Centro Popular de Cultura da UNE (1959-1964) – Encontros e desencontros entre arte, política e educação” de Ana Carolina Caldas, que inspira este projeto – arquivo word.

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