terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Modelo americano ou europeu: qual o melhor caminho para a Universidade brasileira?

Modelo americano ou europeu: qual o melhor caminho para a Universidade brasileira?

Novembro 30, 2009

por João Fábio Bertonha*

Desde que iniciei minha vida universitária, como aluno de graduação, várias coisas são aparentemente imutáveis. Uma é o fato da Universidade estar em “crise” (que, de tão contínua, deveria ser chamada de outro nome) e a segunda são as promessas dos candidatos a Reitor e outros cargos da administração superior durante as épocas eleitorais: defesa da autonomia e do caráter público da Universidade, administração competente, manutenção do trinômio ensino/pesquisa/extensão, valorização do material humano, recuperação da infra-estrutura, etc.

As perguntas que ficam para mim é se a Universidade brasileira é tão medíocre como tantos gostam de afirmar, se há elementos para pensar na sua reforma e se existem critérios para definir se uma Universidade é boa ou má. Quero crer que sim, e me parece que uma comparação com a situação em outros países pode ser de ajuda. Evidentemente, nesse espaço restrito, não imagino ser possível uma longa discussão sobre modelos internacionais de Universidade. Do mesmo modo, não vejo porque idealizar a situação no exterior, como se lá fora só existissem sucessos e tudo funcionasse como um relógio. No entanto, talvez valha a pena colocar os nossos problemas em contato com os dos outros, de forma que possamos conhecer melhor esse mundo acadêmico mundial de que fazemos parte.

Realmente, esse mundo é mais parecido do que imaginamos. As vezes, escutando meus colegas franceses ou canadenses se queixando dos cortes de verbas, da caminhada da Universidade para a “privatização branca”, das salas super lotadas ou dos alunos que entram semi-analfabetos e saem ainda piores, consegui perceber que nossos problemas são mais gerais do que parecem. Claro que as proporções dos problemas são diferentes (sendo até engraçado, para um latino americano, escutar queixas sobre bibliotecas sucateadas na Itália ou na Bélgica quando elas seriam um sonho na maioria dos campi brasileiros), mas a realidade é mais ou menos a mesma.

Eu, as vezes, me pergunto qual Universidade seria possível ou desejável para o Brasil, mas me convenço cada vez mais que caminhamos para um modelo americano, mas um americano piorado.

O modelo americano e, em menor escala, britânico, é realmente peculiar. A maior parte dos jovens é atendido pelo sistema, mas as Universidades não são iguais. Nos Estados Unidos, é possível encontrar desde “Liberal Art Schools” centradas no ensino e “Community Colleges” regionais destinados a atender alunos menos preparados até as Universidades top de linha, como Harvard, Yale ou Princeton, que são particulares, mas recebem enormes financiamentos públicos e são responsáveis pelo grosso da pesquisa e da formação da elite intelectual do país. Mesmo nas Universidades voltadas ao ensino, porém, a infra-estrutura física e humana é, em geral, invejável e a formação fornecida é de qualidade.

No Brasil, parecemos estar caminhando para um sistema parecido. Efetivamente, eu vejo o sistema universitário brasileiro hoje como formado por três níveis: no topo, um punhado de instituições de elite, com pesquisa de ponta, razoáveis condições de trabalho e possibilidade de falar de igual para igual com as melhores do mundo. Aí se encaixam a USP, a Unicamp e algumas federais. No segundo nível, as boas Universidades, que combinam pesquisa e ensino e lutam para se aperfeiçoar. Estas seriam a maioria das estaduais e das federais e algumas particulares. Por fim, uma grande massa de Universidades que o são apenas no nome, com dedicação exclusiva ao ensino ou pura e simplesmente uma farsa, uma máquina de produzir dinheiro e analfabetos diplomados. Nessa categoria, entram parte substancial das particulares e algumas públicas.

A princípio, não vejo grandes problemas em utilizar o sistema americano, que, afinal de contas, tem méritos. No entanto, não adianta copiar a forma sem a substância. Como visto, nos Estados Unidos, há muitas boas escolas, privadas, onde a pesquisa é mínima, mas onde o ensino é ótimo. No Brasil, porém, não se controla essa qualidade e o resultado é a proliferação de faculdades destinadas apenas ao lucro, o que é apenas uma fraude para os alunos e para a sociedade.

De qualquer forma, as instituições centralmente dedicadas ao ensino, apesar de poderem cumprir um papel importante na formação escolar de muitas pessoas, não podem, na minha opinião, cumprir aquilo que imagino ser a função central da Universidade, ou seja, produzir conhecimento, idéias e cidadãos. Esse é o papel das Universidades que aliam pesquisa, ensino e extensão. São elas que deverão gerar os conhecimentos e os cérebros de que o país precisa para se desenvolver e para pensar a si próprio e são elas que mais precisam, a meu ver, de reformas urgentes.

Na minha opinião, a Universidade brasileira padece de várias mazelas. Entre elas, destaco a falta de recursos financeiros; a acomodação de professores, alunos e funcionários; a falta de cobranças internas e externas e o corporativismo. Sobre elas, o sistema universitário americano pode nos ensinar algo.

O primeiro tópico é dos mais polêmicos. Os governos federal e estaduais dizem gastar montanhas de dinheiro com as Universidades e seus alunos ricos, em detrimento do ensino básico. É questionável se a Universidade pública tem apenas alunos de elite (o que talvez seja verdade para cursos como Medicina, mas não para o conjunto) e não me parece que gastamos somas tão altas assim na Educação, em todos os níveis. Em termos de percentual do PIB, nós gastamos somas parecidas com a de alguns países de Primeiro Mundo. No entanto, esses países não tem uma população largamente jovem e com séculos de atraso para compensar. Nações que enfrentaram a mesma necessidade de suprir séculos de descaso pela educação e pela ciência, como os Tigres Asiáticos, transferiram uma percentagem muito maior de recursos nacionais para a educação, em todos os níveis. Assim, mais dinheiro para salários, bibliotecas e laboratórios é essencial. Dinheiro gasto com critérios, obviamente. E, a propósito, se há algo que não falta no sistema americano, é isso: dinheiro, infra-estrutura, recursos.

No sistema americano, aliás, todos os alunos pagam pelo seu período de estudos. Eu não seria, em princípio, contrário a que os alunos pagassem algo pela sua educação, desde que houvesse um sistema compensatório eficiente para financiar os incapazes de sustentar as despesas. No entanto, o grosso dos recursos despendidos pelas Universidades de pesquisa americanas se origina ou do Estado ou de patrimônio próprio. Nenhuma Universidade digna do nome se sustenta apenas com mensalidades de alunos e quem, no Brasil, defende que a Universidade se sustente só cobrando os estudantes está nos levando mais perto do modelo argentino (que quase destruiu o sistema universitário e científico daquele país) do que do americano.

Outra característica do sistema americano que muito me agrada são as cobranças e busca de eficiência e qualidade. Ninguém de bom senso espera avaliar a ciência com base em critérios quantitativos (“publicar x artigos em período y”) ou medir a qualidade de um professor com algum aparelho. No entanto, há critérios mínimos para avaliar se o profissional está cumprindo suas tarefas e as Universidades americanas os seguem, em geral, com cuidado. O professor é avaliado continuamente em suas atividades de docência e pesquisa, tem todas as condições materiais para cumpri-las e recebe incentivos salariais e outros em caso de avaliação positiva e punições, podendo chegar a perda de emprego, em caso de comprovação de pouca eficiência. Um sistema não isento de falhas, mas muito melhor do que o que temos no Brasil, onde muitos professores e pesquisadores se acomodam frente a falta de cobrança ou de recursos para fazer o seu trabalho e ficam a espera da aposentadoria, sem pesquisar e sem publicar. Não é a toa que as pesquisas internacionais nos colocam como dos mais improdutivos do mundo. Para piorar, o clima de mediocridade geral acaba atingindo os alunos, mais preocupados em “passar na moleza” e não fazer nada do que realmente estudar e se aperfeiçoar.

Este, na verdade, é o ponto chave do sistema americano, na minha opinião: cenoura e chicote. Todos, professores e alunos, recebem condições para cumprir suas tarefas e são cobrados por elas. Não é um sistema isento de falhas, mas funciona melhor do que o sistema brasileiro, tanto que não espanta o domínio do sistema científico americano no mundo.

O modelo europeu é um pouco diferente, pois quase todas as Universidades são públicas e essencialmente gratuitas. No entanto, guardadas as proporções, a mesma situação dos EUA se repete: existem condições de trabalho, pesquisa e debate acadêmico e cobrança para que resultados sejam apresentados (especialmente em países onde a tradição acadêmica e o sistema de avaliação e cobrança são mais enraizados, como na Alemanha). Ou seja, aqui também a Universidade cumpre a sua função de produzir conhecimento, estimular a busca de soluções e a criação de idéias na sociedade e formar mão de obra e cidadãos.

Não sei honestamente qual o melhor modelo para o Brasil. Eu prefiro o sistema europeu. Educação, pesquisa e ciência não são apenas investimentos; são direitos da população e ensino gratuito e de qualidade com pesquisa científica e tecnológica de ponta são o meu ideal para todas as Universidades. No entanto, para isso se reproduzir aqui e para a Universidade pública absorver toda a população em idade universitária, seria necessário um investimento financeiro imenso do governo brasileiro, que talvez não seja possível. O sistema americano não me agrada tanto, mas talvez seja o mais viável por agora no Brasil. Mas desde que seja usado como modelo tanto para as mazelas como para as qualidades. Copiar só as formas para esconder problemas e fingir que tudo vai bem é inútil.

Na verdade, o que me parece através desse giro por vários exemplos internacionais é que não importa tanto se nos baseamos no modelo europeu ou no americano; se a Universidade é estatal ou não. O importante é ter infra-estrutura humana e material e gente motivada pela avaliação contínua e pela sensação de estar fazendo um trabalho essencial para o país. Se não for para isto, é melhor o governo federal baixar um decreto dando o título de Doutor para todos os brasileiros. Seremos o povo mais educado do mundo, as estatísticas melhorarão e todos ficarão felizes. Uma bela mentira, mas ao menos não fingiremos mais que estamos tentando resolver um problema quando não estamos.


* Doutor em História (Unicamp) e docente na Universidade Estadual de Maringá, Departamento de História. Publicado na REA nº 14, julho de 2002, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/014/14bert.htm

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